sexta-feira, 31 de julho de 2009

Princípios metafísicos da ordem moral

Sidney Silveira
Para qualquer professor de filosofia que pretenda falar de moral, é deveras útil a seguinte distinção escolástica entre:

> o fim “que” (finis qui): o bem a cuja consecução se dirige a ação;
> o fim “para quem” (finis cui): sujeito em favor do qual se busca esse bem;
> e o fim “pelo qual” (finis quo). A forma de obter esse bem, ou seja: a realização mesma do fim.

Há, ainda, a importante distinção entre "o fim da obra" (finis operis) e "o fim daquele que obra" (finis operantis). O primeiro destes é o bem a que, por sua natureza, tende um ente, dada a atualização das principais potências inscritas no seu ato de ser; o segundo é o que se propõe toda e qualquer causa inteligente, ao agir. No caso humano, convém lembrar que o finis operis pressupõe o finis operantis da mesma forma como a execução de uma tarefa implica algo ou alguém que a execute. São irmãos siameses, por assim dizer.

Em todas essas distinções está pressuposto o ente real composto de potência e ato, matéria e forma, substância e acidentes, essência e ser. Um ente real com todas as potências passivas e ativas que lhe possibilitam atualizar diferentes operações ou perfeições na ordem do ser.

Como todos os entes tendem a determinados fins, mas não de forma instantânea (dada a sua composição de matéria e forma), importa saber, em cada caso, quais são os fins intermediários em vista do fim último a que tendem. Mas isto sem nunca nos esquecermos de que o fim último de um ente é o fim por excelência (causa final), porque nele radica a suma razão do movimento das causas intermédiárias (eficiente, material e formal). O que é intermédio se põe em marcha em vista de um fim.

A inversão da ordem dos fins, por uma criatura inteligente, é nada mais nada menos do que a inversão da ordem natural a que tendem as suas potências principais. Ora, se o fim pressupõe e abarca os meios, em toda ação levada a cabo por causas inteligentes se pressupõe a escolha de alguns meios e a recusa de outros. E nisto reside propriamente o problema moral: um problema dos meios. Noutras palavras, a realização do fim pressupõe a renúncia a todo um conjunto de meios. Um exemplo: a consecução de um bem racional impõe a renúncia a todos os bens deleitáveis opostos a ele (mas não, é claro, aos bens deleitáveis que se seguem dele).

No homem, como em qualquer criatura que recebe o ser de outro (ens ab alio), o buscar-se a si mesmo como um fim último implica uma desordem e um mal: uma desordem porque nada pode ser o princípio nem o fim de si mesmo, a não ser Aquele que — por ser Ato Puro — tem a posse do fim em si mesmo, na medida em que o seu ser e a sua essência se identificam plenamente num só ato; e um mal porque, orientado para Aquele que é o alfa e o ômega, o princípio e o fim de todas as coisas, o ente frustraria o seu movimento natural a algo exterior a ele, pois todos os entes, sem exceção, têm uma funcionalidade, ou seja: são em função de algo que os transcende.

Estes são alguns dos tópicos do curso Os Fundamentos Metafísicos da Ordem Moral, todo inspirado na obra magna do mesmo nome escrita pelo tomista argentino Octavio Derisi, curso de que em breve daremos notícias, como mais uma ação do Angelicum – Instituto Brasileiro de Filosofia e de Estudos Tomistas.

Aguardem.