Carlos Nougué
Roma ainda não voltou à Tradição. Que o Motu Proprio sobre a Missa tridentina e a suspensão das excomunhões dos quatro Bispos da FSSPX não nos enganem. Sim, porque, ainda que considerássemos sem mácula tais atos pontificais, restaria o fato inequívoco de que o caráter vaticano-segundo – ou seja, o caráter de religião do homem – não se reduz ao problema litúrgico nem, muito menos, a questões de ordem disciplinar. Se, por um lado, o problema litúrgico é fundamental, porque diz respeito ao que é o centro da vida do católico – o sacramento da Eucaristia –, por outro lado, o que a partir do Concílio se fez com relação à liturgia não é causa, mas efeito, da raiz nefasta que subverteu a vida da Igreja na segunda metade do século passado: o humanismo, ou, em outras palavras, a negação da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre tudo quanto é humano e sobre todo o universo, substituída por uma suposta realeza do homem até sobre Deus mesmo.
Uma prova do que aqui se diz a podemos ter na recente viagem do Papa Bento XVI à Terra Santa. Nela, como escreve no editorial da Revista Iesus Christus, n. 121, o Padre Christian Bouchacourt (Superior do Distrito da América do Sul da Fraternidade São Pio X), Sua Santidade não hesitou “em questionar a doutrina tradicional sobre a tolerância com respeito às falsas religiões para convocar um diálogo religioso e propor que os católicos, os judeus e os muçulmanos realizassem ações em comum [pela paz]. [...] Durante toda a sua viagem, o Papa não convidou os não católicos da região, nem sequer uma vez, a se converter. Nem uma única vez fez rezar pela conversão dos judeus e dos muçulmanos. O que devemos pensar desta atitude e de tais afirmações? Podemos pensar realmente que deste modo Bento XVI contribui para a colocação dos fundamentos de uma paz futura? [...] Nem a paz civil nem a paz social poderão existir fora de Nosso Senhor Jesus Cristo. Querer realizar esta paz sem Aquele que é a ‘pedra angular’ [Atos, IV, 11] é algo ilusório; é querer encaminhar-se para o fracasso certo; é enganar os que escutam tais mensagens e pôr em perigo a sua salvação eterna”.
Como dizia D. Marcel Lefebvre segundo o magistério unânime da Igreja até então, “Não há senão um nome sobre a Terra para transformar as almas, a civilização, e até os corpos, a sociedade e a economia. É o nome de Jesus. Não é necessário procurar por outro lado. Querem transformar a sociedade; querem fazê-la melhor; querem fazê-la santa; querem uma economia sã: o meio é Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu deixei a África com a convicção de que só há um meio para salvar as almas e ao mesmo tempo dar-lhe uma civilização cristã neste mundo e fazer-lhes participar aqui da felicidade do céu a partir da felicidade que lhe confere a graça: é o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Sermão em Zaitzkofen, 15 de fevereiro de 1987, apud edit. cit.).
Mas São Paulo – prossegue o Padre Bouchacourt – “não deixou de chamar os judeus e os pagãos à conversão, e preveniu Timóteo de um perigo iminente: ‘Virá um tempo em que [muitos] não suportarão a sã doutrina, mas, movidos por suas paixões e pelo prurido de escutar novidades, multiplicarão mestres para si. E afastarão os ouvidos da verdade e se lançarão às fábulas’ [II Tim., IV, 3]. Esse tempo, com efeito, já chegou. Fazer crer aos homens que podem encontrar a paz na Terra e salvar-se fora de Nosso Senhor Jesus Cristo equivale a movê-los a viver numa terrível ilusão, na qual se põe em risco algo gravíssimo: a salvação eterna de milhões de almas”.
E São Paulo, que resistiu face a face a São Pedro, o primeiro Papa, por suas práticas judaizantes, disse ainda a Timóteo: “Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua Vinda e por seu reino: prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda a paciência e doutrina.” [IV, 1]. “Que Nosso Senhor nos conceda a força de fazê-lo até o nosso último suspiro!” – conclui assim o Padre Bouchacourt seu editorial.
Mas por que insisti tanto com as palavras deste superior distrital da Fraternidade São Pio X? Porque não posso estar de acordo com aqueles segundo os quais a FSSPX, em troca de uma normalização de suas relações com Roma, já teria deposto as armas do bom combate contra a religião do homem. E poderia acrescentar ao editorial do Padre Bouchacourt uma vasta série de livros, artigos, textos, sermões dos Bispos da Fraternidade, de tantos e tantos de seus padres, de seus teólogos mais importantes, entre os quais o Padre Álvaro Calderón – todos no mesmo tom.
Há entre as autoridades da FSSPX algumas que estejam dispostas a, em troca do reconhecimento papal, calar as críticas impostergáveis ao Vaticano II? Não o podemos saber; mas temos um dever: o de confiar, em princípio, nas autoridades da FSSPX, coluna da Tradição. Se, como já se disse, foi um homem, Monsenhor Lefebvre, o instrumento de Deus para que as portas do inferno não prevalecessem contra a Igreja, digo eu agora: se a FSSPX depusesse as armas, o fim dos tempos teria de ser antecipado, porque se não o fosse “nem os eleitos se salvariam”.
Não posso entender os que, sem estar de posse de todos os dados da situação, e sem considerar que toda e qualquer autoridade, como as da FSSPX, tem uma margem de diplomacia, sem a qual não poderia procurar o bem para a qual é constituída, tacham D. Fellay de traidor à primeira palavra sua, digamos, não muito claramente tradicional. Ora, são as autoridades da FSSPX que devem ter luzes de estado para agir no difícil terreno das negociações com o Vaticano: não podem elas negar-se a conversar com o Papa, não podem elas não receber de bom grado quaisquer passos em sua direção por parte de Sua Santidade, e ao mesmo tempo não podem abrir mão nem minimamente de tudo quanto diz respeito ao Traditum. Há o perigo de um acordo indevido, não baseado na doutrina? Até agora, como já disse e insisto, não vimos nenhum sinal disso. Aliás, contra o que se dizia, os Bispos da Fraternidade acabam de ordenar 20 novos sacerdotes.
E veja-se que as acusações de “amolecimento” dirigidas à Fraternidade por parte de alguns são vazadas num linguajar não raro injurioso. Mais que isso: ainda que sem o saberem, acabam por tratar a autoridade como o faz a massa democrática dos dias atuais: como poeira, como lama da estrada, que se pisa entre vitupérios.
Esperemos e esperemos, com a tranqüila confiança de que a história, incluindo a da Igreja, segue estritamente os desígnios de Deus e o governo da Divina Providência; sempre pedindo, porém, a Nosso Senhor que nos conceda a força de fazer “até o último suspiro” o que disse o Apóstolo das Gentes a Timóteo.
E clamando-Lhe: Vinde, Senhor Jesus. Mas vinde logo – como quer que seja.
Roma ainda não voltou à Tradição. Que o Motu Proprio sobre a Missa tridentina e a suspensão das excomunhões dos quatro Bispos da FSSPX não nos enganem. Sim, porque, ainda que considerássemos sem mácula tais atos pontificais, restaria o fato inequívoco de que o caráter vaticano-segundo – ou seja, o caráter de religião do homem – não se reduz ao problema litúrgico nem, muito menos, a questões de ordem disciplinar. Se, por um lado, o problema litúrgico é fundamental, porque diz respeito ao que é o centro da vida do católico – o sacramento da Eucaristia –, por outro lado, o que a partir do Concílio se fez com relação à liturgia não é causa, mas efeito, da raiz nefasta que subverteu a vida da Igreja na segunda metade do século passado: o humanismo, ou, em outras palavras, a negação da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre tudo quanto é humano e sobre todo o universo, substituída por uma suposta realeza do homem até sobre Deus mesmo.
Uma prova do que aqui se diz a podemos ter na recente viagem do Papa Bento XVI à Terra Santa. Nela, como escreve no editorial da Revista Iesus Christus, n. 121, o Padre Christian Bouchacourt (Superior do Distrito da América do Sul da Fraternidade São Pio X), Sua Santidade não hesitou “em questionar a doutrina tradicional sobre a tolerância com respeito às falsas religiões para convocar um diálogo religioso e propor que os católicos, os judeus e os muçulmanos realizassem ações em comum [pela paz]. [...] Durante toda a sua viagem, o Papa não convidou os não católicos da região, nem sequer uma vez, a se converter. Nem uma única vez fez rezar pela conversão dos judeus e dos muçulmanos. O que devemos pensar desta atitude e de tais afirmações? Podemos pensar realmente que deste modo Bento XVI contribui para a colocação dos fundamentos de uma paz futura? [...] Nem a paz civil nem a paz social poderão existir fora de Nosso Senhor Jesus Cristo. Querer realizar esta paz sem Aquele que é a ‘pedra angular’ [Atos, IV, 11] é algo ilusório; é querer encaminhar-se para o fracasso certo; é enganar os que escutam tais mensagens e pôr em perigo a sua salvação eterna”.
Como dizia D. Marcel Lefebvre segundo o magistério unânime da Igreja até então, “Não há senão um nome sobre a Terra para transformar as almas, a civilização, e até os corpos, a sociedade e a economia. É o nome de Jesus. Não é necessário procurar por outro lado. Querem transformar a sociedade; querem fazê-la melhor; querem fazê-la santa; querem uma economia sã: o meio é Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu deixei a África com a convicção de que só há um meio para salvar as almas e ao mesmo tempo dar-lhe uma civilização cristã neste mundo e fazer-lhes participar aqui da felicidade do céu a partir da felicidade que lhe confere a graça: é o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Sermão em Zaitzkofen, 15 de fevereiro de 1987, apud edit. cit.).
Mas São Paulo – prossegue o Padre Bouchacourt – “não deixou de chamar os judeus e os pagãos à conversão, e preveniu Timóteo de um perigo iminente: ‘Virá um tempo em que [muitos] não suportarão a sã doutrina, mas, movidos por suas paixões e pelo prurido de escutar novidades, multiplicarão mestres para si. E afastarão os ouvidos da verdade e se lançarão às fábulas’ [II Tim., IV, 3]. Esse tempo, com efeito, já chegou. Fazer crer aos homens que podem encontrar a paz na Terra e salvar-se fora de Nosso Senhor Jesus Cristo equivale a movê-los a viver numa terrível ilusão, na qual se põe em risco algo gravíssimo: a salvação eterna de milhões de almas”.
E São Paulo, que resistiu face a face a São Pedro, o primeiro Papa, por suas práticas judaizantes, disse ainda a Timóteo: “Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua Vinda e por seu reino: prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda a paciência e doutrina.” [IV, 1]. “Que Nosso Senhor nos conceda a força de fazê-lo até o nosso último suspiro!” – conclui assim o Padre Bouchacourt seu editorial.
Mas por que insisti tanto com as palavras deste superior distrital da Fraternidade São Pio X? Porque não posso estar de acordo com aqueles segundo os quais a FSSPX, em troca de uma normalização de suas relações com Roma, já teria deposto as armas do bom combate contra a religião do homem. E poderia acrescentar ao editorial do Padre Bouchacourt uma vasta série de livros, artigos, textos, sermões dos Bispos da Fraternidade, de tantos e tantos de seus padres, de seus teólogos mais importantes, entre os quais o Padre Álvaro Calderón – todos no mesmo tom.
Há entre as autoridades da FSSPX algumas que estejam dispostas a, em troca do reconhecimento papal, calar as críticas impostergáveis ao Vaticano II? Não o podemos saber; mas temos um dever: o de confiar, em princípio, nas autoridades da FSSPX, coluna da Tradição. Se, como já se disse, foi um homem, Monsenhor Lefebvre, o instrumento de Deus para que as portas do inferno não prevalecessem contra a Igreja, digo eu agora: se a FSSPX depusesse as armas, o fim dos tempos teria de ser antecipado, porque se não o fosse “nem os eleitos se salvariam”.
Não posso entender os que, sem estar de posse de todos os dados da situação, e sem considerar que toda e qualquer autoridade, como as da FSSPX, tem uma margem de diplomacia, sem a qual não poderia procurar o bem para a qual é constituída, tacham D. Fellay de traidor à primeira palavra sua, digamos, não muito claramente tradicional. Ora, são as autoridades da FSSPX que devem ter luzes de estado para agir no difícil terreno das negociações com o Vaticano: não podem elas negar-se a conversar com o Papa, não podem elas não receber de bom grado quaisquer passos em sua direção por parte de Sua Santidade, e ao mesmo tempo não podem abrir mão nem minimamente de tudo quanto diz respeito ao Traditum. Há o perigo de um acordo indevido, não baseado na doutrina? Até agora, como já disse e insisto, não vimos nenhum sinal disso. Aliás, contra o que se dizia, os Bispos da Fraternidade acabam de ordenar 20 novos sacerdotes.
E veja-se que as acusações de “amolecimento” dirigidas à Fraternidade por parte de alguns são vazadas num linguajar não raro injurioso. Mais que isso: ainda que sem o saberem, acabam por tratar a autoridade como o faz a massa democrática dos dias atuais: como poeira, como lama da estrada, que se pisa entre vitupérios.
Esperemos e esperemos, com a tranqüila confiança de que a história, incluindo a da Igreja, segue estritamente os desígnios de Deus e o governo da Divina Providência; sempre pedindo, porém, a Nosso Senhor que nos conceda a força de fazer “até o último suspiro” o que disse o Apóstolo das Gentes a Timóteo.
E clamando-Lhe: Vinde, Senhor Jesus. Mas vinde logo – como quer que seja.