Raffaello Sanzio (São Paulo prega em Atenas)
Sidney Silveira
Falou-se noutro texto de quanto, durante toda a era Patrística, abundavam as admoestações contra a filosofia grega, particularmente as advertências para o perigo de assimilação, por parte dos cristãos, de elementos espúrios à fé. O exemplo para esta postura era buscado na Boa Nova trazida pelo Apóstolo aos escandalizados gregos (cfme. At. XVII, 23-29): a sabedoria dos homens havia sido suplantada por outra, divinamente revelada, que doravante seria o norte para todo e qualquer conhecimento humano, especulativo ou prático. Na culta Atenas de então, em meio aos juízes do Areópago — conselho de membros da aristocracia ateniense em cujo recinto havia várias imagens dos deuses pagãos —, Paulo anuncia eloqüentemente o ignoto Deus que veio ao mundo para pôr fim às humanas superstições e à adoração de falsos ídolos. A partir de então, não mais seria lícito aos homens procurar, fora da Revelação, a solução para os seus dilemas fundamentais, para os dramas que configuram a sua condição.
Falou-se noutro texto de quanto, durante toda a era Patrística, abundavam as admoestações contra a filosofia grega, particularmente as advertências para o perigo de assimilação, por parte dos cristãos, de elementos espúrios à fé. O exemplo para esta postura era buscado na Boa Nova trazida pelo Apóstolo aos escandalizados gregos (cfme. At. XVII, 23-29): a sabedoria dos homens havia sido suplantada por outra, divinamente revelada, que doravante seria o norte para todo e qualquer conhecimento humano, especulativo ou prático. Na culta Atenas de então, em meio aos juízes do Areópago — conselho de membros da aristocracia ateniense em cujo recinto havia várias imagens dos deuses pagãos —, Paulo anuncia eloqüentemente o ignoto Deus que veio ao mundo para pôr fim às humanas superstições e à adoração de falsos ídolos. A partir de então, não mais seria lícito aos homens procurar, fora da Revelação, a solução para os seus dilemas fundamentais, para os dramas que configuram a sua condição.
Neste momento decisivo para a história humana, como aconteceria tantas e tantas vezes ao longo dos séculos, ao simples anúncio da Palavra revelada distintos grupos se formaram: uma grande parte de zombeteiros; outra de pessoas céticas racionalistas, para quem a Cruz é simplesmente uma loucura; outra de gente que, como o rico do Evangelho (Lc. XVIII, 23), se sentiu atraída pela novidade, mas cujo apego ao mundo ou à carne impediu de abraçar a radicalidade da fé; e uma minoria que, com o auxílio da Graça, se abriu ao influxo benemerente da Palavra divina e produziu frutos de cem por um, de sessenta por um e de trinta por um (Mt. XIII, 8). Dentre estes estava Dionísio, depois cognominado “Areopagita”, um juiz que se converteu ali, no exato momento em que Paulo era avaliado por uma assembléia de pessoas atônitas a quem com firmeza dizia anunciar o Deus que a todos “deu a vida, o movimento e o ser” (At. XVII, 28).
Muitos anos depois — hoje se sabe que, provavelmente, no século V —, um homem que durante centenas de anos se acreditou ser o grego convertido por São Paulo, por razões que não cabe apontar neste breve texto, escreveu quatro livrinhos que influenciariam grandemente teólogos e filósofos cristãos: “Sobre a Hierarquia Celeste”; “Sobre a Hierarquia Eclesiástica”; “Sobre os Nomes Divinos”; e “Sobre a Teologia Mística”. Desde quando a crítica histórico-filológica apontou — já nos albores do século XIX — que essa obra não poderia ter sido escrita por São Dionísio Mártir, esse autor anônimo (um notável místico!) passou a ser conhecido pelos estudiosos como Dionísio Pseudo Areopagita.
Indico entusiasticamente aos leitores do Contra Impugnantes a leitura destas quatro pequenas obras de grande valor, que representam uma das maiores influências de um autor no decorrer dos séculos — e de forma quase subterrânea, por assim dizer. Eis alguns teólogos, Santos e filósofos que beberam desta fonte, com maior ou menor proveito:
São Máximo, o Confessor, autor das estupendas Centúrias da Caridade; Escoto Eurígena; Pedro Lombardo; ao que tudo indica, São Bernardo de Claraval; o notável Hugo de São Vítor; Santo Antônio de Lisboa; o grande cientista Robert Grosseteste; São Boaventura; Santo Alberto Magno; Santo Tomás de Aquino (em cuja obra, para se ter idéia da influência dionisiana, há 1.702 menções ao Areopagita); Nicolau de Cusa, cuja Douta Ignorância foi grandemente influenciada por nosso autor; toda a tradição dos cartuxos da Idade Média; Marsilio Ficino, já no Renascimento; São Thomas More; São João da Cruz, cuja Subida do Monte Carmelo tem algumas similitudes impressionantes com Sobre a Hierarquia Celeste e com Sobre os Nomes Divinos; etc.
Deixo, como tira-gosto, um trecho da Teologia Mística do Areopagita:
“Agora que escalamos desde o solo mais baixo até os mais altos cumes, [sabemos que] quanto mais subimos, mais escassas se tornam as palavras. Ao chegarmos ao cume, reina o mais completo silêncio. Estamos de todo unidos ao Inefável”. (Teologia Mística, III, 1033C)
Em tempo: Noutra ocasião, escreverei um pouco sobre a estrutura da Suma Teológica de Santo Tomás: do exitus e reditus. Ela é, segundo autores abalizados, de direta influência dionisiana. E também falarei um pouco sobre duas dessas obras do Pseudo Areopagita.