segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Cruz

Sidney Silveira
A efusão do sangue de Cristo na Cruz é a causa meritória da nossa saúde eterna. É da Cruz que nos vem todo e qualquer benefício espiritual. Toda a espiritualidade católica baseia-se na Cruz e dela se nutre. Retire-se a Cruz, e haverá uma queda contínua até o seu abismal avesso: o prazer hedônico, doentio, fetichizado, cego, pervertido, invertido, insaciável, utilitarista. A Cruz é o sofrimento com um sentido — um sentido divino, transcendente. Afastar-se da Cruz é perder o significado da dor de amor** e, portanto, da própria vida humana. Aproximar-se da Cruz é tornar sagrado o sofrimento. É sacrum facere. A Cruz é o amor em seu ápice pletórico insuperável.

Sem a Cruz, só nos resta cair na depressão psicológica — ou, como diziam os latinos, no pecado da acídia —, pois como suportar as dores, os males, as doenças, as traições, a morte, as faltas e as incompletudes que parecem constituir toda a nossa existência, sem acabar por descrer da excelência a que estamos destinados? Só a Cruz pode dar sentido a tudo isso. A Cruz dá perfeito sentido à vida e à morte.

Sem a Cruz, só nos resta cair na languidez de uma feérica atividade da imaginação, pois, quem não consegue encontrar nenhum sentido para a inevitável dor de viver, há de viver imaginando como fugir da dor. E dar asas à imaginação, como diziam os Padres do Deserto, é dar armas para o demônio.

Sem a Cruz, só nos resta sucumbir às atitudes mais antiéticas possíveis. Sempre que se apresentar a ocasião, o homem para quem a dor e os males não têm sentido fará de tudo para minimizar os seus problemas, a qualquer custo. Só na Cruz pode haver verdadeira ética; as demais éticas estão, em relação à da Cruz, como o imperfeito está para o que é perfeito.

Sem a Cruz, só nos resta cair no individualismo, esse vício mental terrível. Para o individualista (sempre uma pessoa sumamente problemática), não existe verdadeira doação de amor, mas apenas ações torpemente interesseiras, movidas ou pelo desejo de auto-satisfação ou pela inveja — como no caso da anticatólica teoria de René Girard, uma "diabolice" de péssimo gosto. Se essa teoria satânica fosse correta, não haveria boas ações, em sentido próprio, mas as haveria apenas por analogia de atribuição extrínseca. Um católico que acreditasse nisso seria um católico, literalmente, sem Cruz.

Sem a Cruz, só nos resta perder o sentido espiritual da beleza, mais cedo ou mais tarde. A beleza, sem a Cruz, é a beleza física, a beleza emparedada na imanência, num plano meramente sensível, limitado e limitante. A beleza, com a Cruz, é a beleza da vontade que escolheu o bem do próximo — por amor a Deus —, e também da inteligência que assimilou as verdades fundamentais.

Tudo isso (e muito mais) veio-me à mente hoje, ao reler o belíssimo texto intentio cordis, do Nougué, onde se reafirma a eterna verdade do pó que somos e do pó que havemos de ser — os quais só alcançam sentido humano na Cruz.

Amar a Cruz, no entanto, é uma meta, um desafio. Algo que só se consegue com o auxílio da Graça. Senti-o eu mesmo, quanto extraí um câncer, há três anos, e agora, quando um insidioso problema de saúde me acomete. É difícil, sim, mas não há outro caminho para o cristão.

** Dizia o Padre Pio: “A verdadeira dor é a que nos causam as pessoas que amamos”.
Em tempo: Agradeço a todos os que têm rezado pelo meu pleno restabelecimento, que, se for da vontade de Deus, virá. Em caso contrário, rogo-Lhe que me ajude a carregar essa Cruz.