segunda-feira, 13 de abril de 2009

Predestinação à salvação – IV (apontamentos finais)

Sidney Silveira
As linhas gerais da doutrina do Aquinate — e do Magistério da Igreja — sobre a predestinação à salvação já foram traçadas nos artigos I, II e III desta série. Agora, vale consignar alguns apontamentos finais, para que se tenha um quadro sinóptico.

Repisemos:

1) A predestinação é uma parte específica (a mais nobre) da Providência Divina;
2) A predestinação diz respeito às criaturas racionais, capazes de bem-aventurança perfeita;
3) A predestinação não ocorre em previsão dos méritos dos predestinados;
4) A predestinação ocorre por livre eleição divina, desde toda a eternidade;
5) A predestinação, no caso dos condenados, é a manifestação da justiça divina;
6) A predestinação, no caso dos que se salvam, é a manifestação da misericórdia divina;
7) A predestinação de cada um dos predestinados é absolutamente certa;
8) A predestinação não destrói o livre-arbítrio e as contingências dos atos humanos (oriundos da vontade e da inteligência);
9) A predestinação individual de cada um dos que serão salvos é conhecida por Deus, ao modo de presciência dos futuros contingentes;
10) A predestinação, embora seja certa para Deus, não é certa para os predestinados (ou seja: ninguém, nesta vida, pode ter certeza da sua própria salvação);
11) A predestinação pode ser ajudada pelas orações e sacrifícios dos santos, embora não dependa destes.

Uma das motivações desta série — além do pedido da minha jovem e corajosa amiga Teresa, de Braga — foi a de, uma vez mais, demarcar a distinção entre natural (ações humanas) e sobrenatural (Graça), e, com isto, mostrar o quão equívoca é a pretensão de católicos que vão transformando a Religião em uma pura e simples Moral, ao modo kantiano. Num bom-mocismo que mais se assemelha à covardia do que à virtude cristã. Ou, então, no extremo oposto, numa espécie de temerário destemor, no caso de alguns que, por participar de alguma forma da Tradição, julgam que isto lhes basta em ordem à salvação de suas almas. Os primeiros tendem ao laxismo moral e à naturalização da religião; os segundos, a um formalismo rigorista.

De fato, as boas obras que contam, de acordo com o Magistério da Igreja e com Santo Tomás de Aquino, não são as boas obras de uma fraternidade capenga (sem Deus), nem de uma estrita observância formal dos atos da Religião, mas as da caridade enquanto virtude teologal orientada ao fim último: o próprio Deus. Mas, mesmo neste caso, a nossa colaboração com a Graça é já uma moção divina.

Pagar todas as contas no final do mês, fazer com perfeição um trabalho qualquer (como construir uma casa, escrever um poema ou pintar um quadro), evitar discussões apenas para não ferir susceptibilidades (os chamados respeitos humanos), participar dignamente da Santa Missa e ter práticas ascéticas ou religiosas perfeitas, tudo isso tem valor relativo, mas jamais absoluto. A propósito, como já nos ensinara São Paulo em I, Coríntios, 13.

Ah, homem, quantas vezes te esqueces de que és pó, e em pó te hás de converter?...
Em tempo: Indico, na obra do Aquinate, os seguintes pontos, em que ele aborda o tema da predestinação. De Veritate, q. 6, artigos 1-6; Suma Teológica, I, q. 23, artigos 1-8; Suma Contra os Gentios, III, q. 163.