Sidney Silveira
Entre a pusilanimidade e o temor há uma sutil — porém profunda e decisiva — diferença. Em primeiro lugar, com relação ao objeto: a pusilanimidade refere-se a um bem árduo que uma pessoa não se sente capaz de realizar ou obter; e o temor* refere-se a um mal árduo que alguém não se sente capaz de repelir. Ambos são patologias, como ensina magistralmente Santo Tomás, que se dão no contexto da paixão da esperança:
> O temor, por excesso — em relação a um mal possível que se espera remover;
> A pusilanimidade, por carência — em relação a um bem possível que se espera obter.
Entre a pusilanimidade e o temor há uma sutil — porém profunda e decisiva — diferença. Em primeiro lugar, com relação ao objeto: a pusilanimidade refere-se a um bem árduo que uma pessoa não se sente capaz de realizar ou obter; e o temor* refere-se a um mal árduo que alguém não se sente capaz de repelir. Ambos são patologias, como ensina magistralmente Santo Tomás, que se dão no contexto da paixão da esperança:
> O temor, por excesso — em relação a um mal possível que se espera remover;
> A pusilanimidade, por carência — em relação a um bem possível que se espera obter.
Além de serem reflexos da esperança enquanto paixão (não me refiro, por ora, à Esperança como virtude teologal infundida na alma humana, sobrenaturalmente, por Deus), tanto o temor quanto a pusilanimidade se contrapõem à virtude da fortaleza — razão pela qual são, literalmente, tipos de fraqueza humana. Em resumo: são duas espécies de desordem na esperança (paixão que radica em nosso apetite natural do bem).
Dito isto, qual é o problema, a meu ver, de boa parte das teologias católicas contemporâneas, infensas ao tomismo? Em várias de suas proposições — particularmente quando, ainda que de passagem, se referem à “dignidade da pessoa humana”, ao tema da solidariedade e a coisas afins —, parecem esquecer o seguinte: as virtudes morais dependem das teologais para que nos aproximemos verdadeiramente de Deus, da mesma forma como a natureza depende da Graça (dom sobrenatural) para a consecução do fim último do homem: a felicidade perfeita da visão beatífica. Não à-toa, o Aquinate definiu as virtudes morais e intelectuais como meios, mas não o fez no tocante às virtudes teologais; estas não podem ser chamadas propriamente de meios, pois, neste caso, não há proporção em relação ao fim (Deus) que possa, efetivamente, medi-las. Por exemplo: nunca poderá o homem amar naturalmente a Deus tanto quanto este pode ser amado (cfme. Suma Teológica, IªIIª, q. 64, a.4 resp). A virtude teologal define-se, pois, pela proximidade com o summum bonum — e isto não depende de nenhuma das operações naturais do homem, como acontece com as demais virtudes, e sim de uma moção do próprio Deus. Neste contexto, o Doutor Comum, com propriedade e coerência, ensina que é impossível haver verdadeiras virtudes morais sem a caridade, virtude teologal. Na formulação escolástica, as virtudes morais, sem a caridade, podem até existir secundum quid, enquanto referidas a fins que não excedam às capacidades humanas. Mas esta não é a ratio virtutis, e sim a noção de virtude tomada em sentido analógico.
Numa escadinha ontológica, podemos conceber o seguinte quadro, ainda de acordo com a doutrina tomista:
Caridade – maior das virtudes teologais;
Sabedoria – maior das virtudes intelectuais;
Justiça – maior das virtudes morais.
Entre essas três ordens de virtudes há uma decisiva hierarquia, como se lê na seguinte passagem da Suma:
“(...) Só as virtudes infusas são perfeitas, dignas de ser chamadas de virtudes em sentido pleno, porque ordenam o homem ao fim último absoluto. Diferentemente, as demais virtudes — as adquiridas — são virtudes em parte, mas não em sentido pleno, pois ordenam o homem com respeito a fins em determinados gêneros, e não com respeito ao fim absolutamente último” (Suma Teológica, IªIIª, q. 65, a.3 res).
Agora, vamos ao “pulo do gato”: sem as virtudes teologais infundidas por Deus, que são a verdadeira razão de ser das virtudes em sentido geral, só resta ao homem cair em toda a sorte de vícios — como os dois citados no começo deste texto: a pusilanimidade e o temor. Ou alguém tem dúvida de que o homem que está na Fé possui uma força (ou seja: uma virtude) extraordinária, como mostra o exemplo de todos os grandes Santos? Ora, um Santo não é pusilânime justamente porque sabe que tudo pode naquele que o fortalece (Filip., IV, 13), e portanto não há bem que não se sinta capaz de realizar, em Deus; não é medroso porque sabe que, se Deus é por nós, quem será contra nós? (Rom., VIII, 31), e portanto não há mal que não possa afastar, não há mal que não possa suportar, em Deus, com Deus e para Deus.
Vale ainda destacar o seguinte: embora a religião, nas palavras de Santo Tomás, seja uma virtude anexa à da Justiça — na medida em que dá a Deus o culto que Lhe é devido —, e isto seja algo moralmente bom, a religião não é a moral. Quem assim pensa está enredado nos meandros kantianos, cuja base é um formidável erro: a amalucada presunção da incognoscibilidade da coisa em si. Quem assim pensa perdeu a noção da absoluta sobrenaturalidade da Fé, que é muito mais do que uma simples crença subjetiva.
Em suma, em si mesmas as boas ações não redimem, as boas ações não salvam, as boas ações não têm mérito sobrenatural, pois recebem tal mérito de algo que as transcende. Embora sejam, em si, mais ou menos boas. Embora sejam, em si, mais ou menos louváveis, de acordo com os fins naturais a que se dirijam. Embora sejam um fruto da Fé, quando alimentadas pelas verdades reveladas. Ademais, se as boas ações (ou seja, as ações moralmente louváveis) tivessem tal poder, tal força — e portanto tal virtude —, só se salvariam homens honestos, bons, etc. Porém, como diz Agostinho: “Por que Deus salva verdadeiros lodos humanos e deixa homens bons se perder?”. Enfim, se as boas obras, sozinhas, tivessem tal poder, o Bom Ladrão não se salvaria...
Mais há mais a dizer: crer cegamente em tal poder das boas obras é uma espécie de orgulho, pois significa colocar no próprio homem a força para salvar-se, a força para fugir ao mal e ao pecado. E isto não é catolicismo. Devemos melhorar, é óbvio que sim, mas não por razões meramente humanas. Deixemos isto para os pusilânimes, para os timoratos que não conseguem ir além dos próprios interesses.
Resumo do ópera: se no mundo há tanta pusilanimidade tola e tanto temor vil, é porque o mundo recusa o remédio da Fé. Quer ser moralmente "bonzinho", mas sem alimentar-se no Sumo Bem, que é Deus. Imagina ser possível haver virtude longe de Deus. Mundo, pobre mundo.
* A referência aqui é ao temor vicioso, e não ao temor virtuoso — o timor Dei, reflexo da bem-aventurança da mansidão, primeiro degrau da vida cristã.