Sidney Silveira
O LIVRE-ARBÍTRIO humano não é medido por atos duma vontade presumivelmente autônoma, independente da intelecção das coisas reais, mas, ao contrário, é a capacidade de obrar bem por meio de escolhas objetivas acertadas, sublimar-se pela inteligência, transcender à instância sensitiva, atuar visando a um fim ao qual o homem está — por natureza — "ob-ligatus", ou seja, em face do qual ele se mantém LIGADO a uma ordem de bens que ultrapassa a instância metafísica dos seus atos voluntários.
Tal "ob-ligação" implicada no livre-arbítrio é o vínculo entre a inteligência e o bem, atualizado nas escolhas levadas a cabo sob o império da vontade orientada pela luz da razão natural.
Escolher bem é caminhar nos trilhos da liberdade; escolher mal é reduzir a instância em que labora o livre-arbítrio, pois significa que ou a inteligência não analisou a situação de maneira objetiva, ou a vontade, enfraquecida por paixões desgovernadas, não conseguiu superar as dificuldades nas quais se embrenhou.
Toda vez que o homem se desobriga de vincular-se aos bens reais — nas situações apresentadas cotidianamente perante a sua consciência —, diminui-lhe a liberdade.
Após Lutero, perdido decisivamente o vínculo entre a inteligência e o bem, e transformada a vontade numa espécie diabólica de causa sui, a liberdade se identificará de maneira canhestra com os mais tresloucados tipos de subjetivismo voluntarista.
O mundo contemporâneo, refém de noções equívocas de liberdade, é tataraneto de Lutero, pobre-diabo que periga estar nalguma estância calorífica do quinto dos infernos.