segunda-feira, 19 de maio de 2014

IMAGINAÇÃO DESGOVERNADA: o intemperante e o incontinente


Sidney Silveira

SOB O IMPÉRIO DAS PAIXÕES o homem fica imantado ao presente, perde a dimensão da temporalidade. 

Isto ocorre quando as paixões o solicitam com tal veemência que ele é acometido duma espécie de ignorância culposa com relação a vários aspectos implicados nas suas ações. Neste sentido, diz o senso comum que "a paixão oblitera a razão" — sobretudo quando se trata de fazer referência à paixão como fonte de escolhas equivocadas ou más. Em ocasiões tais, o presente adquire um valor de absoluto na consciência do apaixonado, imobilizando a torrente do tempo na psique.

Um pequeno conjunto de imagens começa então a ter recorrência patológica, a ponto de prejudicar a dinâmica das potências psíquicas do sujeito, que passa a não vislumbrar o presente com categorias de futuro, como fazem as pessoas relativamente saudáveis. Em suma, alguém neste estado tem dificuldade de projetar o tempo com mínima lógica, ou seja, enxergar conexões razoáveis entre os atos presentes e as vindouras conseqüências neles implicadas ou latentes.

Esse tipo de ignorância fruto da paixão — que faz o sujeito concentrar tenazmente a sua atenção no momento presente, de modo a lançar cinzentas nuvens sobre o futuro — já havia sido associado por Aristóteles aos vícios da "intemperança" e da "incontinência", sendo a distinção principal entre elas que uma é mais próxima do ato, enquanto a outra é hábito. No incontinente a cegueira dura enquanto dura a imagem sensível que deflagra a paixão; no intemperante ela dura mais, ou melhor, dura longamente devido à permanência do mau hábito mental arraigado.

Num e noutro caso, o tratamento espiritual deve começar por exercícios de continência da imaginação. Depois, passar ao direcionamento terapêutico, gradual, da potência imaginativa a outros objetos que não os recorrentes, assim como à meditação acerca dos malefícios desta fixação doentia em poucas imagens.

Entre incontinentes estão estupradores, por exemplo; entre intemperantes estão suicidas. Curar a uns e a outros pode e deve passar por uma reeducação da inteligência e da vontade, o que muitas vezes é capaz de tornar desnecessário o uso de psicotrópicos.

Mas somente um psicólogo com boa formação filosófica, mormente metafísica, pode alcançar esta verdade: a inclinação veemente do apetite desordenado — chamada em termos aristotélico-tomistas de "paixão" — pode ser consideravelmente minimizada, expurgada de seus excessos

Um psicólogo da estirpe do tomista Martín Federico Echavarría.

Infelizmente, estudiosos da alma humana com este perfil são hoje mais difíceis de encontrar que o homem honesto ao qual o velho Diógenes estava à cata, com sua famosa lanterna.

À luz do dia.