Sidney Silveira
A Beleza, realidade metafísica una, imutável e universalíssima, pode ser imitada pelas artes humanas, mas jamais produzida por elas. Somente uma inteligência capaz de criar o ente poderia produzir a Beleza em si mesma, que é um dos transcendentais do ser. E esta é a inteligência divina.
Ao homem, submerso na realidade claro-escura do ser em que a inteligibilidade é sempre movediça, escapável e transeunte, cabe elevar-se dificultosamente — pelas ciências e pelas artes — ao ponto em que vestígios dessa suma Beleza são vislumbrados e acabam por servir de modelo, de cânone, de regra.
Dos teoremas matemáticos às grandes sinfonias musicais, das conclusões mais especiosas da lógica aos meandros elevadíssimos da metafísica, da percepção da harmonia das formas físicas à compreensão de realidades geométricas, da observação das operações portentosas da natureza ao entendimento do fulgor das virtudes morais manifestado nas boas ações, a Beleza sempre apresenta-se à nossa inteligência envolta nalgum mistério.
Ocorre o seguinte: esta impermeável zona de sombra de qualquer das belezas alcançáveis pelo espírito do homem, longe de deprimi-lo, é luz balsâmica para a sua alma, conducente ao êxtase — que não é outra coisa senão a entrega amorosa ao Inefável, amplexo entre uma inteligência finita e a infinitude do ser.
Num verso sublime, Camões descreveu genialmente essa escalada estética, ápice do caminho amoroso configurado no instante em que se tocam o inteligível humano e o supra-inteligível divino:
"E faz que este natural
Amor, que tanto se preza
Suba da sombra ao real
Da particular beleza
Para a Beleza geral".