Sidney Silveira
O liberalismo*, que, como diz o Padre Calderón, é uma abjeta reação da carne contra as exigências do espírito — razão pela qual traz consigo, in nuce, o gérmen a apostasia —, ganhou as consciências das massas ao longo das últimas décadas atuando nisto que hoje se convenciona chamar equivocamente de “cultura”. Depois de consolidada a separação entre as ordens material e espiritual (no plano político, entre a Igreja e o Estado), ficou mais bem fácil inocular na cultura o vírus da revolução nas artes e nos costumes, pois tal vírus da desagregação encontra ambiente propício em meio ao vale-tudo.
Os liberais bem-falantes de hoje — prosternados no altar de uma cultura de almanaque — são capazes de êxtases convulsivos diante de um verso bem escrito (ainda que satânico, como os de Blake ou Baudelaire), mas estão cegos à verdadeira natureza da cultura e à hierarquia de valores que ela traz consigo. Por isso produzem em seus livros, eventos culturais, blogs e revistas tanta bobagem...
Como contraponto a isto, vale lembrar uma definição do filósofo Octavio Derisi: a cultura é o desenvolvimento harmônico e hierárquico do homem em seus diversos aspectos, sob a hegemonia da vida espiritual. Para o famoso tomista argentino, a genuína cultura tem uma tríplice dimensão:
1- de atividade cognoscitiva (filosofia = contemplação);
2- de atividade volitiva (moral);
3- de atividade poiética dirigida pela inteligência prática (arte).
Tudo isso, sem dúvida, é cultura, mas retirem-se os dois primeiros tópicos acima, e o terceiro se transformará em puro non sense, em atividade estéril do ponto de vista noético, espiritual. Transformar-se-á em esteticismo danosamente infantil.
Pois muito bem: um dos sinais mais clamorosos de que a vaca está no brejo é que a cultura não apenas perdeu de vista o aperfeiçoamento espiritual do homem, mas, ao contrário, transformou-se no grande motor da corrupção das potências mais nobres da alma. Ouçam o que se ouve em média por aí; vejam o que se vê por aí no cinema e na tv; leiam o que se publica em média de obras literárias e filosóficas; e então, a situação política (de absoluto caos) e moral (de cegueira coletiva) ganha novos contornos — novo padrão de inteligibilidade.
Observava muito bem Derisi que a crise da cultura provém de uma crise ética, e esta, de uma crise metafísica e teológica. Isto na década de 50 do século passado!!!! Os remédios para a crise poderiam provir da autoridade espiritual da Igreja, mas como esta depôs a própria autoridade, abdicando ao papel civilizatório de mestra das nações, isto explica muito bem a atual cultura do abismo que tudo domina, tudo envolve com seu fétido hálito...
Tapem as narinas, pois a coisa vai feder ainda mais.
* Nunca, em tempo algum, nos esqueçamos de que a peçonha comunista é, no plano histórico, filha da visão liberal, o seu oposto complementar — aquilo que os escolásticos chamavam de coincidentia oppositorum: são opostos que coincidem na aversão à autoridade espiritual.