sábado, 3 de julho de 2010

Analogia/ abstração x univocidade/ intuição


Sidney Silveira
Afirmou-se
neste vídeo que a analogia é uma espécie particular de relação entre nomes, coisas e conceitos mentais. Mas ficou-se ali por dizer que todo conceito, enquanto tal, possui como propriedade mais importante a comunicabilidadepropriedade essa que transforma os conceitos em universais. Ou seja: um conceito só é universal porque expressa algo comum a muitos; caso contrário, sequer poderia ser classificado como conceito.

Assim, uma das características de qualquer conceito é a não-repugnância para estar em muitos. Em resumo, o conceito — como produto final do ato intelectivo — é fruto da abstração dos dados individuantes. Pode-se por isto dizer que o conceito tem uma natural vocação à universalidade, dado que a comunicabilidade dos conceitos é uma propriedade que pertence tão-somente à natureza abstraída da matéria, e não à natureza singuralizada na matéria. Lembremos que a etimologia mesma do vocábulo “universal” (unum versus multa) indica o seguinte: a universalidade é propriedade de algo que se comunica a muitos. E se comunica — no caso que nos interessa — justamente por ser abstraído de muitos.

Não se chega ao conceito de “homem” apenas por Sócrates (pois este é humano, mas não é a humanidade), e sim abstraindo de Sócrates as notas essenciais comuns, ou seja, o eidos que compartilha com os demais entes de sua espécie. Por aqui podemos muito bem ver a riqueza do axioma escolástico que dizia: os entes operam a partir e nos limites de suas formas; ou, noutra expressão, a forma é o princípio de operação; e a matéria, o princípio de individuação.

Se levarmos tais premissas às últimas conseqüências, veremos com clareza que a negação dos conceitos universais traz consigo, implícita ou explicitamente, a negação da teoria da abstração. Traz consigo implícita a afirmação da teoria da univocidade do ser, em metafísica, e do intuicionismo, em gnosiologia. Estes últimos são, na verdade, a herança nominalista da filosofia tardo-medieval que fez nascer a filosofia moderna, e esta, negando a gnosiologia aristotélico-tomista, acabou engendrando toda a sorte de esquizofrenias em forma das mais sofisticadas — e aporéticas — teorias do conhecimento. Marco cujo ancestral longínquo, o elo perdido, é o frade franciscano Duns Scot, o Doctor Subtilis, que se for mesmo canonizado é mais um sinal de que o fim se aproxima...

O que Étienne Gilson dizia de Kant — a saber: que a sua filosofia deve ser contemplada “à luz do patológico” —, serve para grande parte das teorias do conhecimento posteriores a Descartes. Quase todas, por infringir esse dado fundamental da gnosiologia realista, cometem o crime de lesa-senso comum, pois é evidente que conhecer, para o homem, é um processo, muitas vezes penoso, e não um ato intuitivo, não um flash da inteligência.

Ignore-se esse modo propriamente humano de conhecer, e se abrirão as portas da filosofia para toda sorte de erros e, o que é pior, mentiras e enganos.