Sidney Silveira
[Nesta semana convidaram-me a participar de um debate sobre o celibato na Igreja. Como o editor do programa de TV pediu-me uma opinião prévia sobre o assunto, escrevi para ele o que segue abaixo (com pequeníssimos acréscimos). Penso ser útil divulgar o texto por aqui]
"Antes de tudo, convém frisar que o celibato não é um dogma de fé da Igreja. Em princípio, é uma orientação disciplinar que segue um conselho evangélico (a propósito, houve épocas remotas nas quais existiam padres casados, e mais: ainda hoje, há comunidades católicas — como as que seguem o rito Melquita, por exemplo — com padres casados). Este é o primeiro ponto.
É também importante fazer uma distinção entre castidade e celibato, para estabelecer o problema com realismo. Em sentido estrito, a castidade (que não é necessariamente celibatária) é a aplicação da virtude da temperança aos ímpetos da sensibilidade humana. Pela castidade evitam-se todos os excessos e desequilíbrios provenientes de uma vida sexualmente desregrada. Pela castidade evita-se que um homem se torne refém de ardores que cegam a inteligência e o induzem a fazer escolhas não por critérios racionais, mas por aquilo que os filósofos gregos chamavam de pathos, ou seja: a paixão, que é capaz de produzir dramáticos sofrimentos psicofísicos. O casto, portanto, não é um tolo puritano que passa a vida reprimindo todos os seus impulsos sexuais, mas alguém que, em qualquer estado de vida, os ordenou de forma tal que o gozo físico não é o único nem o principal motor de suas ações — não é o “valor dos valores”. O casto percebe que há uma escala de bens que transcendem à instantaneidade do gozo sexual, bens que podem e devem ser realizados pelo homem, nesta vida, mas que exigem certo sacrifício. Na prática, o exercício da virtude da castidade ajuda o homem a vislumbrar o horizonte ético-moral sem o qual a vida em sociedade se tornaria verdadeiramente impossível. Imagine uma sociedade inteira feita de homens como o ex-presidiário de Goiás que, recentemente, para dar vazão aos seus desejos de ordem sexual, matou seis meninos depois de abusar deles? Estaria fadada a consumir-se, em uma só geração.
O primeiro ponto, portanto, que eu gostaria de esclarecer é este: há castidade sem celibato.
Pois bem, feita essa distinção, diga-se que o celibato sacerdotal é uma espécie de castidade especial, que exige o sacrifício maior da abstinência. E é castidade especial por ser consagrada pelo Sacramento da Ordem, o que, de acordo com a Igreja, indica que o padre, para manter-se celibatário, conta com o auxílio divino da Graça sacramental. Um padre que não tenha sequer o hábito da castidade na verdade não deveria ter sido ordenado, e aqui entramos em outra questão: a presente crise moral que mancha a Igreja com tantos escândalos é, fundamentalmente, uma crise doutrinal, ou seja: em se tratando de algo tão sublime, como o ofício do sacerdote, a má-formação filosófica, teológica e espiritual da maioria dos Seminários modernos acaba criando deformações psicológicas aberrantes, pois estabelece uma total desconformidade entre a teoria (desvirtuada) e a prática. Como a Igreja afrouxou a disciplina e também a formação teológica e metafísica, abrindo-se a filosofias opostas à fé que prega, acabou por permitir que adentrassem os seus quadros rapazes sem nenhuma vocação, pois há certas precondições, inclusive intelectuais, para o bom exercício do sacerdócio. O problema é, pois, mais profundo e sutil do que possa parecer à primeira vista para quem não vive a fé e não conhece o Magistério da Igreja, a sua filosofia, a sua doutrina, etc.
Como se pode depreender pelo dito acima, sou totalmente a favor do celibato sacerdotal, porque é uma decisão multissecular da Igreja que possui princípios solidíssimos — tanto espirituais, como doutrinais e filosóficos. Princípios que deram incontáveis frutos ao Ocidente, cuja base civilizacional é, naquilo que tem de mais sublime, cristã. Hoje é triste ver padres — muitos deles midiáticos — que não têm a menor noção da doutrina bimilenar da Igreja nesta matéria, e desconhecem o sentido do mistério do amor a Deus que leva o homem a fazer sacrifícios. Fecundos sacrifícios.
Mistério que, como dizia Chesterton, é alimento para a alma".
Em tempo: A tentativa de associar o celibato à pedofilia é uma aberração. Na verdade, sabemos que está por trás disso um grande ataque à Igreja. Noutra oportunidade, veremos por que tal tese é em si mesma não somente errônea, mas fruto de uma má-fé sem tamanho.
Em tempo2: Eu disse acima que a castidade é uma virtude; e a virtude, por sua vez, é um hábito bom. Ora, hábitos adquirem-se — pelo esforço e, no caso de que se trata, também recorrendo a Deus e aos sacramentos. Mas mesmo depois de o hábito imprimir-se na alma como uma espécie de selo invisível, poderá haver pequenas quedas, que serão tanto menores quanto maior for o esforço humano e, é claro, o auxílio da Graça. Portanto, não há que desesperar nesta matéria! Deus sempre premia os esforços feitos com reta intenção. É o que diz a sã doutrina.