Sidney Silveira
Quando a consciência de um homem é assaltada por dúvidas positivas em matéria grave, qualquer ação é, em si mesma, ilícita — como ensinam os bons manuais de Teologia Moral. Isto pelo seguinte fato: quem leva uma ação a cabo com consciência duvidosa a respeito de sua própria licitude aceita, temerariamente, a possibilidade de ofender a Deus e ao próximo. Noutras palavras, em caso de dúvida ou impossibilidade de chegar a uma certeza absoluta, é necessário reunir elementos suficientes para a inteligência alcançar o estado que os grandes tratadistas católicos chamam de certeza moral. Antes disso, convém não iniciar nenhuma ação.
Esse tipo de certeza é próprio das ocasiões em que se torna impossível chegar a certezas especulativas apoiadas em princípios intrínsecos indubitáveis, como são os que nos levam às certezas matemáticas ou metafísicas, por exemplo. A licitude da ação dependerá, pois, do fato de a consciência apoiar-se em princípios reflexos ou extrínsecos decorrentes dos princípios intrínsecos. Em síntese, os princípios reflexos são assim chamados pelo fato de que lançam uma luz indireta e parcial sobre a ação, mas em grau suficiente para lograr-se a certeza moral na ordem prática. Ressaltemos que a luz, neste caso, não dissipa de todo as trevas especulativas, mas é suficiente para o homem empreender a ação. Analogamente, é como a luz bruxuleante de uma vela que, embora não ilumine o caminho com perfeição, o faz em nível suficiente para o homem poder seguir em frente sem tropeçar.
Eis alguns critérios encontráveis em Santo Afonso de Ligório e outros tratadistas de moral:
Ø Em caso de dúvida, é preciso considerar atentamente as normas gerais.
Ø Em caso de dúvida, é preciso julgar pelo que ordinariamente se praticou ao longo do tempo.
Ø Em caso de dúvida, deve-se pressupor a validez do ato.
Ø Em caso de dúvida, é preciso orientar-se pelo que, na prática, parece ser mais seguro.
Ø Em caso de dúvida, é preciso considerar se o ato em questão favorece ou contraria a lei e os princípios da ordem moral.
Ø Em caso de dúvida, convém colher a opinião de pessoa douta ou sábia na matéria.
Ø Etc.
Com tais bússolas um homem se nutre de razões suficientes para chegar à certeza moral. E aí, sim: tendo-a no horizonte, habilita-se a empreender a ação de forma lícita mesmo quando erra. Esta última advertência não nos custa fazer pelo simples fato de que a especificação do ato moral não se dá pelo resultado prático da ação, mas pela intenção do agente. É esta que define se a ação foi boa ou má, justa ou injusta. Assim, um professor imbuído da reta intenção de ensinar a matéria, mas que por alguma razão acidental não consegue, é moralmente mais digno que o professor negligente que, numa frase fortuita, acaba sem querer passando determinado ensinamento ao aluno.
Em breves palavras, todo homem tem a obrigação de empregar os meios possíveis para chegar a uma consciência verdadeira e reta antes de obrar, sobretudo nas ocasiões de extrema gravidade. Só assim se pode alcançar a certeza moral que lhe servirá de critério mais ou menos seguro para agir. Portanto, se a perplexidade de qualquer situação se impõe à consciência de uma pessoa — seja em razão do escândalo, seja em razão de contrariar o bom senso, seja em razão de favorecer o mal em detrimento do bem, seja em razão de ir contra a lei, etc. —, é dever dela se munir de critérios que a conduzam à certeza moral. Caso contrário, o pecado de omissão é gravíssimo.
Esta é, a propósito, a situação de pessoas cuja covardia se reveste do molde da falsa boa consciência, esta mesma que as faz acusar temerariamente quem não se mantém no marasmo, como elas. Em verdade, com total incerteza moral alegam agir com prudência e movidas por amor a um bem maior; infelizmente, trata-se da chamada prudência da carne — tipificada, em sentido próprio, não pelo amor ao bem, mas pela hesitação culposa entre o bem e o mal, pelo temor mundano de ferir susceptibilidades ou perder algum benefício adquirido.
Muitas dessas pessoas boazinhas deixam escapar um afetado esgar de nojo ao ler as críticas construtivas de quem, tomando como critério a Tradição, o Magistério e a prática bimilenar da Igreja, aponta as absurdidades que a vem corroendo nas últimas décadas. Absurdidades doutrinais, pastorais, litúrgicas, canônicas, magisteriais, dogmáticas e políticas. Ora, como esses bons moços desconsideram muitos dos critérios que poderiam levá-los a julgar a situação presente munidos de uma certeza moral, acabam por se tornar acusadores daqueles cuja ação se transforma no incômodo espelho diante do qual as suas consciências remordem a si mesmas. Na prática, as acusações que engendram são mera autodefesa psicológica, mecanismo típico da neurose.
Pois bem. Uma das acusações dessa gente de tão bom coração e ilibada índole é a seguinte: os “tradicionalistas” são sedevacantistas práticos, pessoas movidas por um orgulho insano manifestado pela desobediência em que caíram. No que nos diz respeito, como o ônus da prova é de quem acusa, desafiamos estes eruditos conhecedores da doutrina católica a provar isto com razões suficientes — e com a devida associação da teoria a exemplos práticos. Tipo assim: seria desobediência sedevacantista apontar publicamente a absurdidade do discurso do Papa Francisco em prol de uma Igreja pobre e para os pobres? Essa opinião do Papa é porventura magisterial? Tem ela a intenção declarada de se impor aos fiéis católicos como doutrina a ser seguida? Divergir dela é, por acaso, desobediência? Etc.
Apenas aconselhamos a estes homens cuja habitual prudência é fechar os olhos para não ver, e tapar o nariz para não sentir eventuais odores nauseabundos, a estudar muito bem antes de dar razões à sua desrazão, ou seja: antes de se lançar à demonstração cabal de que somos uma espécie de "sedevacanista prático".
Se porventura forem dialeticamente degolados, sirva-lhes de consolo que o terão sido com e por amor. O mesmo amor à Igreja que eles alegam em sua defesa ao acusar moralmente o próximo.
P.S. Escolhemos este breve vídeo do falecido Prof. Orlando Fedeli não apenas porque subscrevemos integramente o que ali se diz, mas também porque o trecho em que ele menciona D. Hélder Câmara é muitíssimo a propósito para ilustrar o momento presente.