quarta-feira, 3 de março de 2010

De elefantes e formigas

Carlos Nougué
Certa feita um chefe meu, socialista, me chamou para dizer que recebera uma denúncia de que eu era de ultradireita. Sem deixar de pensar, obviamente, na triste possibilidade de perder o ganha-pão por causa de tão grave pecha, acabei, como devido, por dizer ao chefe a verdade: como poderia eu ser de ultradireita se sou, digamos, “medievalista” e se a terminologia direita/esquerda surgiu apenas na revolução francesa? O chefe me olhou, me olhou... e não perdi o emprego.

Quando conto isso, as pessoas em geral julgam tratar-se de uma espécie de chiste ou pilhéria. Não o é, embora o termo “medievalista” deva mais propriamente substituir-se por “defensor da Realeza social de Cristo”, tendo sido porém na mesma Idade Média que efetivamente tal Realeza mais se concretizou. Mas por que trago à baila neste espaço aquele episódio? Porque certo articulista de Internet, português segundo me disseram, escreveu pouco mais ou menos o seguinte: “Atenção quem pensa que a direita está morta: vejam, por exemplo, o blog ‘Contra Impugnantes’, que propugna a volta da Igreja tirânica ao poder.”

Pois a pilhéria, ainda que inconsciente, vem da parte precisamente desse denodado articulista. Por quê? Por vários motivos, que exporei brevemente para não cansar o leitor nem a mim mesmo.

1) Que propugnamos a volta da Igreja à direção espiritual dos povos, segundo a lei natural e a lei evangélica, e portanto com a submissão do poder temporal ao eclesiástico, é inegável. É isso, justamente, o Reinado social de Cristo. Se disso se trata, teria razão o alerta articulista d’além-mar... não fosse o simples fato de que nem sempre propugnar é poder.

2) Em outras palavras: o lusitano acusador esquece que, diante dele, isto é, do mundo elefântico que ele representa ― o absolutamente dominante e hegemônico mundo do demo-liberalismo ―, os que escrevem para este blog não passam de formigas. Se se quiser, um exército de formigas se somados a todos os seus congêneres: conjunto de tropas que pode ser pulverizado ou desmaterializado por um simples bafejar da tromba do mundo moderno. Ou será que o que teme tal paquidérmico orbe, tão atentamente defendido pelo referido articulista, é precisamente que tal conjunto de tropas desmaterializado vença justamente por isto mesmo, a saber, porque o imaterial das idéias perenes é, ao fim e ao cabo, indestrutível, enquanto não o é o mesmo peso do falso, por imenso que seja?

3) Ademais, ilustre sentinela, pelo menos nós que escrevemos para este blog nunca deixamos de frisar, por uma série de razões de teologia da história, nossa descrença na recuperação cristã do mundo, conquanto estejamos certos de que a vitória final se dará com a entrada dos que Deus quiser na Jerusalém celeste. Por isso não tema, velador: não fazemos parte de nem pretendemos organizar nenhum movimento ou partido pela Realeza social de Cristo, porque estamos seguros da infrutuosidade de qualquer movimento assim nos dias de hoje; porque a história, além disso, provou o equívoco de constituir um partido católico para atuar num regime político, o partidocrático, essencial e radicalmente anticristão; e até porque qualquer movimento ou partido de dois seria pelo menos ridículo, e já nem sequer nossos parcos cabelos brancos no-lo permitiriam... Mas, cuidado, cuidador: o verdadeiro perigo talvez resida, efetivamente, naquela mesma desmaterialização. Todo alerta é pouco.

4) Por fim, como chamar de direita formigas que defendem a Realeza social de Cristo se são elas mesmas que, condenando a partidocracia, condenam todos os partidos do elefantino mundo moderno? (Naturalmente, não se diz aqui que “nunca” se deve votar em nenhum candidato ou partido. Tal é possível se realmente ele representar um mal menor e defender, pelo menos, princípios essenciais da lei natural. O que não é o caso da próxima eleição para presidente do Brasil, com respeito à qual já declaro aqui ― e creio poder fazê-lo também por Sidney ― meu formigante voto nulo.) Para nós, repitamo-lo, a direita liberal não é senão a ante-sala do comunismo, e entre Delfin Neto e Lula se estende a ponte da apostasia.
Adendo do Sidney: Sem sair do contexto das palavras do Nougué, penso que vale fazer a seguinte observação, abordando outro tópico do problema das relações entre o poder material e o espiritual: a meu ver, o erro de certo catolicismo tradicional é cair numa espécie de milenarismo, apostar todas as suas fichas numa reviravolta espetacular que nos traria de volta a Cristandade perdida, e retornaríamos, assim, ao tempo em que, como dizia Leão XIII, a lei evangélica pairava sobre as Nações. Esquecem os propugnadores de tal tese que a vitória prometida por Cristo é, antes e acima de tudo, supra-histórica, além-temporal. Ademais, qualquer exercício de futorologia nesta matéria traz-nos o risco de tangenciar a heresia, até porque os desígnios de Deus para estes nossos tempos são mistério. Em suma, ao desfraldarmos aqui a bandeira da Realeza Social de Cristo, isto não implica que creiamos ser ela humanamente possível, no mundo atual — até porque a própria Igreja hoje volta as costas para a sua bimilenar doutrina política, baseada nos dois gládios. Estamos, a meu ver, exatamente no tempo em que a verdade política tornou-se algo irrealizável, pois só os devaneios individuais têm estatuto de valor intocável. Apenas um supermilagre poderia dispor as coisas de maneira diferente, no plano político... Mas não somos profetas para prever tal milagre.