terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A morte

Este pequeno artigo foi publicado há uns cinco anos numa coletânea de estudos medievais. Era parte de um texto maior, assinado em conjunto com o meu querido irmão Ricardo; ele abordava o tema na perspectiva histórica, enquanto eu o fazia a partir da doutrina de Santo Tomás. O texto é basicamente o original, sem as pequenas e inadvertidas mudanças feitas pelo editor do livro... De toda forma, como se tratava de algo que, por restrição de espaço, fui cortando, cortando, cortando, agora relendo o texto ele me pareceu truncado e um tanto obscuro em algumas partes. Mas compartilho-o assim mesmo, até porque por estes dias estou sem tempo para escrever.

A MORTE NA PERSPECTIVA DE SANTO TOMÁS

("A maior perfeição de cada coisa consiste não apenas em ser boa em si, mas em causar a bondade nas outras coisas” - Tomás de Aquino, De unitate intellectus, V, 111) [1]

Sidney Silveira

No estudo intitulado “Tomás de Aquino e o nosso tempo: o problema do fim do homem”, o filósofo Henrique C. de Lima Vaz adverte que a interpretação de uma experiência que encontrou a sua expressão teórica em textos do passado supõe a possibilidade de referir essa mesma experiência — e também a sua expressão — ao presente, no ato da leitura.[2] No caso de Tomás de Aquino (1225-1274), além dos problemas de hermenêutica suscitados pela tentativa de interpretação de escritos compostos em época tão distante da nossa, uma atitude de prudência é aconselhável se nos aproximamos do Doutor Angélico com o propósito de vislumbrar a harmoniosa justaposição dos elementos de seu vasto sistema, no qual cada parte se ordena e é proporcionada a um fim específico, e cada um desses fins, por sua vez, conduz a outros, no horizonte metafísico que tem Deus como princípio e fim último de todos os entes. Convém, como metodologia, seguir o conselho do próprio Tomás, que em seu pequeno texto De modo studendi recomenda: os estudiosos não devem pronunciar-se de forma apressada acerca do que pesquisam [3]; quem não põe em prática este conselho corre o risco de não cumprir a vocação à sabedoria própria da natureza racional do homem, pois, como nos lembra Aristóteles (384 a.C – 322 a. C), logo na primeira frase da sua Metafísica, os homens desejam, naturalmente, saber. [4]

Este pequeno estudo sobre a morte em Tomás de Aquino parte de duas linhas mestras orientadoras. A primeira, no movimento que o teólogo dominicano M-D Chenu apontou no plano da Suma Teológica: a Prima Pars trata da proveniência das coisas a partir de Deus; a Secunda Pars refere-se ao retorno de tudo ao seu princípio criador e ordenador, ou seja, o próprio Deus; e a Tertia Pars estuda as condições cristãs para esse retorno, no caso particular do homem[5]. O exemplarismo divino e o retorno da imagem (homem) ao seu modelo (Deus) constituem o eixo dos escritos morais de Santo Tomás, e frise-se aqui que o ato propriamente humano, para o Aquinate, é orientado pela vontade, [6] a qual por sua vez é movida primacialmente pela razão, ou, nas palavras do Aquinate, pela ratio boni.[7] Ora, como é natural no homem agir com algum grau de conhecimento do fim pelo qual age, de qualquer um dos seus atos só poderá dizer-se “bom” ou “mau” quando for voluntário, pois uma ação involuntária — não movida pelo apetite racional, expressão com que Santo Tomás designa a vontade — só pode ser considerada mal moral por analogia.[8] E aqui nos deparamos com a segunda linha mestra: a da morte humana como conseqüência do mal moral que a tradição judaico-cristã convencionou chamar de “pecado”, o qual é sempre uma livre escolha, pois requer o concurso da vontade e da razão.

Para Santo Tomás, a vida eterna não é outra coisa senão a própria bem-aventurança[9] à qual o homem foi destinado por Deus, mas, para alcançá-la, requer-se da criatura racional a retidão da vontade,[10] que tem a sua consecução nos atos livres — e por isso o Aquinate afirma que é essencial para qualquer pena ser contrária à vontade do infrator[11], e, por conseguinte, à liberdade que é o seu sucedâneo.[12] No chamado “estado original” ou de “inocência”, ao homem eram concedidos os dons preternaturais que o auxiliavam a evitar o pecado[13] e a cumprir, pelo exercício da liberdade, o seu destino de beatitude eterna, escolhendo os verdadeiros bens — dentre estes a vida, fonte de todos os demais — e afastando-se do mal. Com relação especificamente ao mal, Santo Tomás distingue entre o mal que consiste na privação de uma forma (ato primeiro, que é o simples ato de ser de cada ente) e o mal que consiste na orientação de uma ação (ato segundo, atinente às intenções).[14] A morte corresponde à primeira dessas distinções, referente à privação da forma, pois é ela privação, no corpo humano, da sua forma substancial: a alma. É o chamado “mal de pena”. À segunda distinção corresponde o chamado “mal de culpa”, que é uma desorientação da vontade,[15] ou seja: quando esta escolhe falsos bens, ou bens contingentes, que obstam a verdadeira felicidade, embora sejam sempre portadores de um quantum de prazer e de bem, pois todos os entes, pelo seu radical ato de ser, são portadores de algum bem,[16] sendo este último um dos transcendentais do Ser.

Neste contexto, a vida e a morte do homem são avaliadas a partir do fato de provirem de Deus e a ele retornarem posteriormente. Em termos concretos, o homem vive a partir de sua alma, que é princípio do movimento e primeiro ato natural de um corpo organizado, [17] e esta procede de Deus, [18] que a cria [19] no momento do nascimento e não antes, pois convém a ela estar unida ao corpo.[20] Vivendo a partir de uma alma incorruptível unida a um corpo corruptível, o homem morre, de acordo com Santo Tomás, por ter-se tornado naturalmente incapaz de manter-se no estado de justiça original em que operavam, sob o controle da razão, todas as faculdades de sua alma sem desordem alguma,[21] sendo nesse estado perfeita a ordenação da faculdade intelectiva da alma ao bem supremo, que é Deus. A desordem na vontade e o ofuscamento da razão começam com o pecado. Em suma, o homem tornou-se mortal porque, por sua livre vontade e com pleno entendimento – ou seja, moralmente –, escolheu o erro de querer para si uma falsa autonomia, buscando a felicidade longe da fonte perene de todos os bens possíveis e da própria vida (ou seja, Deus mesmo). Portanto, em certo sentido a morte não seria natural no homem, e o grande Doutor da Igreja salienta isso frisando que a alma racional, de acordo com a sua incorruptibilidade, está adaptada a seu fim específico, que é a bem-aventurança perpétua [22] — a permanência no Ser em grau excelente, sob a luz da glória. Na perspectiva teológica, vale lembrar que é na economia da salvação das almas e de sua recondução a Deus que se insere a encarnação do Verbo, pois é na pessoa do Cristo (que por união hipostática reúne em si as naturezas humana e divina, deificando a carne pela união com o Verbo) [23] que ao homem é dada a oportunidade de recuperar a possibilidade de re-unir-se a Criador.

Uma das dificuldades de abordar em filosofia, e mesmo em teologia, o tema da morte é que se trata do único evento na vida humana não suscetível de se transformar em experiência. Como bem frisara Aristóteles, das recordações nasce a experiência, e muitas recordações de uma mesma coisa chegam a constituir uma experiência.[24] Mas vale indagar: como poderíamos recordar de algo irrepetível, episódio ímpar que a cada um acontece apenas uma vez e, in actu exercito, põe fim à existência? O Padre Henrique de Lima Vaz salienta que duas coisas concorrem para qualquer tipo de conhecimento, e particularmente o filosófico: anámnesis (recordação) e nóesis (pensamento).[25] Por isso, a morte pode tão-somente ser pensada, testemunhada, observada, etc., mas nunca “experienciada, e isto faz dela um mistério para qualquer campo do conhecimento. Na melhor das hipóteses, o homem está condenado a ter um simulacro de experiência da morte a partir da que sobrevém aos seus semelhantes, mas não uma experiência do quid est da morte, de sua essência. Como frisa José Ignácio Murillo, a resposta ao enigma da morte acaba por se dar, em geral, no âmbito da religião.[26] Mas isto não implica dizer que a filosofia não possa dizer nada a respeito do fato inquestionável da finitude da vida. E o Aquinate o faz com grande competência.

Para Santo Tomás, a morte pode ser natural no tocante ao corpo, mas não com respeito à alma. Neste ponto, na tentativa de dimensionar o problema da morte como sendo em primeiro lugar a do corpo, lembremos o seguinte: ontologicamente, o mal físico que decorre da corrupção do corpo e faz o homem sofrer — e cujo grau máximo é a morte, com a conseqüente perda da forma substancial do corpo — não é a negação de um bem possível, mas a privação de um bem natural, isto é, de uma perfeição devida à natureza de determinado ente, como escreve Leonel Franca.[27] Por esta razão, não é um mal físico para uma pedra não ter pernas, pois naturalmente não as tem. Nela, não ter pernas é negação; mas no homem, perder a vida é privação de um bem específico integrante de sua natureza vivente.[28] Para Leonel Franca, a morte não entrou no mundo pela corruptibilidade intrínseca (e filosoficamente inquestionável) da matéria, mas por uma iniciativa infeliz do espírito, o qual perdeu o dom preternatural gratuito, próprio do estado de justiça original, de preservar o corpo da corrupção. “Não foi o corpo que fez pecar o espírito, mas o espírito que fez morrer o corpo”, diz Leonel Franca, citando uma frase conhecida de Étienne Gilson,[29] de nítida orientação tomista.

Com relação à incorruptibilidade da alma espiritual, em contraposição à corruptibilidade material do corpo, Santo Tomás demonstra-a de várias maneiras. Uma delas é a partir da premissa de que nenhuma coisa se corrompe exatamente naquilo em que se aperfeiçoa, porque as mudanças para a perfeição e para a corrupção são contrárias, e a alma humana se aperfeiçoa pela ciência e pela virtude[30], às quais tende por natureza e para as quais o corpo corruptível é apenas um instrumento; isto é um indício de sua incorruptibilidade ontológica. O filósofo medieval também argumenta, contra os que dizem que nenhuma operação pode permanecer na alma separada do corpo, que há operações da alma humana totalmente independentes, como a intelecção e a volição[31]. Para Santo Tomás, o intelecto apreende a coisa abstraindo as quididades sensíveis da matéria, que é princípio da individuação, o que não acontece com os sentidos, pois estes se referem às coisas particulares, e o intelecto alcança os universais pela abstração da matéria individual;[32] por exemplo: a inteligência logra o conceito universal de “homem” e de “cadeira”, enquanto os sentidos captam apenas este homem e esta cadeira. Da total imaterialidade destas duas operações da alma — o entendimento e a vontade —, o Aquinate acaba por conduzir-nos às substâncias separadas da matéria, os anjos.[33] Acerca da existência destas últimas, conclui ele que, se há algo imperfeito em algum gênero, haverá, antes dele, por prioridade de natureza, algo perfeito, pois o mais perfeito tem prioridade sobre o menos perfeito. No caso dos anjos ou substâncias separadas, a operação máxima — que é a intelecção direta das essências — não proviria dos sentidos materiais, pois os anjos não estão substancialmente unidos a nenhum corpo.[34]

Um conjunto de artigos da Suma contra os Gentios conduz à demonstração da incorruptibilidade das substâncias separadas a partir de várias premissas, como por exemplo do fato de serem tais substâncias subsistentes, pois assim como o sensível é objeto próprio dos sentidos, o inteligível é objeto do intelecto, e, num ente sem composição de matéria, como são os anjos, a inteligência não pode fenecer, dada a sua radical imaterialidade. Assinala Tomás de Aquino, neste contexto, que os sentidos podem corromper-se pela excelência do seu objeto, como acontece com o olho humano ao contemplar um objeto excessivamente luminoso; neste caso ele pode cegar. Entretanto, o intelecto jamais se corrompe pela excelência do objeto inteligível, mas, ao contrário, nele aperfeiçoa-se, pois o inteligível é a própria perfeição do intelecto.[35] E este é justamente o caso dos anjos, cujo intelecto tem certa conaturalidade com a essência de todas as coisas criadas.

Como a substância intelectual, no caso do homem, está unida ao corpo, alguns filósofos anteriores ao Aquinate pensaram que todas as operações da alma humana eram comuns às operações do corpo, ou então que a união corpo/alma não era substancial, mas acidental, como Platão nos induz a concluir com a famosa proposição de que a alma se encontra no corpo como o piloto em seu navio e, por isso, a alma apenas servir-se-ia do corpo como faz o piloto com o navio, no sentido de que este o conduz ao seu fim.[36]

Tem-se aqui um esboço sumário da doutrina tomista sobre a morte humana,[37] que parte de uma perspectiva teológica — a da morte como decorrência do pecado original — e se consuma na análise da estrutura ontológica da alma racional, em duas (dentre várias) obras em que Santo Tomás aborda o tema, com diferentes demonstrações acerca da impossibilidade de sua extinção, pelo fato de ser ela intrinsecamente incorruptível e subsistente. Em resumo, fomos criados para ser eternos, ou seja, para participar da eternidade de Deus, e perdemos tal prerrogativa pelo pecado. Por outro lado, mesmo com o advento do pecado, a nossa alma, por ser ontologicamente incorruptível, não pode morrer, não pode ser alijada do ser, a menos que Deus de potentia absoluta a aniquile. A questão é saber se o seu destino final será de beatitude ou de sofrimento eternos. A propósito, com relação ao fim da alma após a morte, Tomás aborda a questão em diferentes escritos, mas se trata de um assunto que faz parte de um tema que foge ao escopo deste breve artigo: o da escatologia.


[1] TOMÁS DE AQUINO, A unidade do intelecto contra os averroístas. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1999, p.155.

[2] LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira. São Paulo: Edições Loyola, 1998, p. 37.

[3] Tardiloquum te esse iubeo et tarde ad locutorium accedentem. TOMÁS DE AQUINO – De modo studendi, § 3 (tradução para o português do filósofo Paulo Faitanin [UFF], em versão ainda não editada, gentilmente cedida pelo autor).

[4] ARISTÓTELES, Metafísica, I, 1, 980a., Madrid, Editorial Gredos, 1998, p.2.

[5] Suma Teológica, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). Internet: http://www.dominicos.org/biblioteca/suma/suma1.htm, p. 34 (acesso no dia 25/11/2004). Santiago Ramírez, em outra edição da Suma Teológica da BAC, de modo similar afirma que, na primeira parte da Suma, Tomás de Aquino apresenta Deus como é em si mesmo — uno em essência e trino em pessoas —, além de criador, conservador e governador de todas as coisas; na segunda parte investiga e analisa os meios adequados para conduzir as criaturas racionais e livres à posse do fim último e supremo que é Deus, assim como os obstáculos e tropeços que podem apartá-las desse ditoso fim; e, na terceira parte, assinala o caminho que leva a Deus, na pessoa do Cristo. Vide TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Salamanca, Espanha: Biblioteca de Autores Cristianos, 1947, Introdução, p.2-3.

[6] Suma Teológica, IªIIª, q. 1. a. 1, Resp.; Suma Teológica, IªIIª, q. 6. a. 1., Resp.

[7] Suma Teológica, IªIIª, q. 9. a. 1. Para Tomás de Aquino, no tocante às suas operações, a vontade, que ontologicamente é perfeita para querer sempre o bem, pode dizer-se imperfeita quando a razão, que a alimenta, está em erro e leva o agente a inclinar-se a um bem (ou falso bem) que lhe seja impróprio (“Praecedit igitur in voluntate peccatum accionis defectus ordinis ad rationem”, Suma Contra os Gentios, III, Cap. 10, 9).

[8] Suma Contra os Gentios, III, Cap. X, 6.

[9] Suma Teológica, I, q. 64. a. 2, Resp.

[10]Suma Teológica, IªIIª, q. 4. a. 4. . Ressalve-se que, embora necessária à beatitude ou bem-aventurança, a reta vontade é apenas um ponto de partida, pois, para Santo Tomás, a bem-aventurança é uma operação da parte intelectiva da alma humana, porque, após alcançá-la, a vontade repousa e como que pára de querer, pois se move buscando o fim somente quando este não está presente. Assim, a essência da bem-aventurança consiste em um ato do entendimento (Suma Teológica, IªIIº q. 3. a. 4), quando a vontade gozosa descansa no fim já conseguido. A infelicidade máxima, em contrapartida, seria a impossibilidade formal de alcançar a bem-aventurança, caso dos demônios e dos condenados à pena eterna, que tanto mais sofrem porque neles ainda permanece a inclinação natural à virtude e o desejo de beatitude. Trata-se do apetite racional do bem associado à impossibilidade de alcançá-lo.Vide Suma Teológica, IªIIº q. 85. a. 2, Ad.3.

[11] Suma Teológica, I, q. 94. a. 3, Resp..

[12] Ao longo da Prima Secundae da Suma, há uma explicação circunstanciada das causas que desembocam no “ato livre”: a razão é causa formal do ato livre humano, enquanto as paixões do apetite sensível influem sobre a maneira pela qual o objeto se apresenta à vontade. Por fim, a vontade é movida em função do fim que persegue, que é a beatitude perfeita, o bem supremo que é Deus. Vide. TORREL. Jean-Pierre, OP. Iniciação a Santo Tomás de Aquino — sua pessoa e sua obra. São Paulo: Edições Loyola. 2004, p. 285.

[13] Suma Teológica, I, q. 94. a. 4.

[13] Suma Teológica, IªIIª, q. 4. a. 4.

[14] Suma Teológica, I, q. 48 a. 6.

[15] Há um consenso entre pensadores de orientação tomista de que as paixões diminuem a liberdade humana, pelo ofuscamento da razão, embora os atos continuem sendo voluntários. Neste sentido se pode dizer que o ato propriamente humano (voluntário e racional) pode não se dar em sua perfeição, por impedimentos próximos ou remotos. Os impedimentos próximos seriam: a) cognoscitivos (ignorância, inadvertência, erro e esquecimento); b) volitivos (concupiscência, medo, paixões e hábitos); c) executivos (violência). Já os impedimentos remotos seriam: a) naturais (temperamento, caráter, herança, idade e sexo) b) patológicos (neurastenia, histeria e epilepsia, etc.); c) sociológicos (educação, ambiente social, etc.). MARIN, Antonio Royo. Teología moral para seglares. Madrid: Biblioteca de autores cristianos (BAC), 1957, p. 49-65.

[16] Como a culpa consiste em um ato desordenado da vontade, e a pena, na privação de algumas das coisas de que a vontade se utiliza para operar, Santo Tomás diz que a culpa tem maior razão de mal do que a pena, sendo esta uma determinada privação da graça e da glória. Suma Teológica, I, q. 48 a. 6.

[17] TOMÁS DE AQUINO, A unidade do intelecto contra os averroístas. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1999, p.47; e ARISTÓTELES, De anima, II, 1, 412 b.

[18] Para Santo Tomás, nas processões divinas, tudo o que procede do Verbo se chama geração. Mas ele adverte que usa o termo em dois sentidos: no primeiro, trata-se da passagem de algo do não-ser ao ser, chamada criação; no segundo, trata-se da origem de um ser vivente a partir do seu princípio vital e de movimento. A este último tipo de geração, dá o nome de nascimento. (Sciendum est quod nomine generationis dupliciter utimur. Uno modo, communiter ad omnia generabilia et corruptibilia, et sic generatio nihil aliud est quam mutatio de non esse ad esse. Alio modo, proprie in viventibus, et sic generatio significat originem alicuius viventis a principio vivente coniuncto. Et haec proprie dicitur nativitas, Suma Teológica, I, q. 27. a. 2. Resp.).

[19] Suma Teológica, I, q. 90. a. 2. Resp.(“Respondeo dicendum quod anima rationalis non potest fieri nisi per creationem”).

[20] Suma Teológica, I, q. 90. a. 4. (Anima autem, cum sit pars humanae naturae, non habet naturalem perfectionem nisi secundum quod est corpori unita. Unde non fuisset conveniens animam sine corpore creari.). O Aquinate ressalta que, sendo o homem um composto de forma e matéria, no qual a alma é (única) forma substancial, a alma humana só será perfeita quando unida ao corpo, embora possa subsistir de modo imperfeito sem ele, por ser incorruptível. Por esta razão, não seria congruente que a alma fosse criada antes do corpo, mas juntamente com ele, porque Deus cria tudo sempre visando à perfeição. Ela não recebe o existir antes de estar unida ao corpo (Non igitur competit naturae ordini quod anima fuerit prius creata a corpore exuta, quan corpori unita, Suma Contra os Gentios, II, Cap. 83, 1660).

[21] Suma Teológica, IªIIª, q. 85. a. 5. (“...per peccatum primi parentis sublata est originalis iustitia, per quam non solum inferiores animae vires continebantur sub ratione absque omni deordinatione, sed totum corpus continebatur sub anima absque omni defectu, ut in primo habitum est”).

[22] Suma Teológica, III, q. 2. a. 2. Ad. 3.

[23] Suma Teológica, I, q. 48 a. 6.

[24] ARISTÓTELES, Metafísica., I, 1, 981ª.

[25] “A filosofia assume como tarefa pensar tematicamente o seu próprio passado — unir anámnesis e nóesis — e nesta rememoração pensante, reinventar os problemas que lhe deram origem”. PERINE, Marcelo (Org.). Diálogos com a cultura contemporânea – homenagem ao Pde. Henrique C. de Lima Vaz, S. São Paulo. Edições Loyola, 2003, p. 66.

[26] MURILLO, José Ignácio. El valor revelador de la muerte – estudio desde Santo Tomás de Aquino. Navarra, Espanha: Cuadernos de Anuario Filosófico de la Universidad de Navarra. 1999, p.13.

[27] FRANCA, Leonel. A psicologia da fé – O problema de Deus. São Paulo, Edições Loyola, 2001, p.316.

[28] “La naturaleza (...) no es otra cosa que la realidad irreductible de algo, en cuanto principio de actividad. En el caso del hombre, la naturaleza es la unión de un alma espiritual con un cuerpo que necesita para llevar a cabo su actividad propia, entender”. MURILLO, José Ignácio. Op. Cit., p.55.

[29] FRANCA, Leonel. Op. Cit. P. 327.

[30] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 79, 1599.

[31] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 79, 1624.

[32] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 82, 1641 e 1642.

[33] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 91.

[34] Suma Contra os Gentios, II, Cap. 96, 1812.

[35] TOMÁS DE AQUINO, Suma contra os Gentios, II, cap. 55, 1306-1307.

[36] No artigo intitulado “Tese de Platão sobre a união da alma intelectiva com o corpo” (Positio platonis de unione animae intelectualis ad corpus), na Suma Contra os Gentios (II, 57, 1326), Santo Tomás cita ad tertium a tese de Platão de que a alma está no corpo como o marinheiro no navio, concluindo que, sendo assim, a união de ambos se daria por um contato apenas virtual, mas não substancial. Cumpre observar, contudo, que não obstante esta fundamental diferença ontológica, que resultará em teses diametralmente opostas, como a de que a alma é mais perfeita e conhece melhor quando despojada do corpo (Platão), e a de que a alma humana, sem o corpo, subsiste de modo imperfeito (Santo Tomás), há aproximações entre os dois filósofos. Uma delas consiste na tese — desenvolvida n’A República — de que os males próprios de cada ente os corrompe. Mas, no caso da alma humana, o seu mal, que é o vício, por maior que seja, não a destrói nem a corrompe, pois, mesmo na maldade, a alma continua a existir. Por isto, se a alma não pode ser destruída pelo mal do corpo, que lhe é totalmente alheio, nem pelo seu próprio mal, que é o vício, ela será, portanto, indestrutível. Ver, PLATÃO, A República, 610-611a.

[37] Com respeito à morte dos animais irracionais, o ponto de vista de Santo Tomás é totalmente diverso, pois a alma deles, para o Angélico, não sendo capaz de efetivar nenhuma operação sem a intermediação de algum órgão corporal, é necessariamente, mortal, e se extingue juntamente com o próprio corpo.