*Breve texto para o curso “Manifesto das Sombras”
Sidney Silveira
A história humana é um códice da Providência Divina, a mensagem cifrada de Deus a espraiar-se no tempo. Não podemos resolvê-lo por completo, porque ele foi feito a partir da eternidade — e o nosso ponto de observação é deficiente, por estarmos imersos entre as coisas temporais. Esta é a premissa teológica de que partimos.
Só será possível ao homem elucidar os arcanos da história, com todos os dramas centrais que conformam o devir de sua trajetória ao longo dos séculos, sob o influxo da luz beatífica da essência divina, ou seja, no céu. Enquanto isto não ocorre, cabe ao historiador católico tentar compreender os ciclos e eventos históricos esforçando-se por se colocar na perspectiva de Deus, tendo como causa material desta empreitada os documentos de época, e como causa formal a Sagrada Escritura (verdade revelada por Deus), o Magistério da Igreja (custodiadora deste precioso depósito) e a obra dos grandes doutores. Em nosso caso, do Doutor Comum: Santo Tomás de Aquino.
Tal arte poderá chegar, no máximo, a um esboço de visão a partir de esquemas gerais. Foi exatamente o que tentou Santo Agostinho na Cidade de Deus. Todas as demais tentativas de interpretar os fatos históricos sem se elevar muito acima deles próprios estão condenadas a ser mais ou menos reducionistas — por não entenderem que os valores pressupostos nos atos humanos representam a maior ou menor proximidade a uma realidade imutável, intangível, inefável, inominável: Deus. Ora, porque todos os movimentos pressupõem algo metafisicamente imóvel, sem o qual eles não seriam possíveis, visto que o movimento não pode remontar ao infinito numa série de causas essencialmente ordenadas, com a história humana não poderia ser diferente. Ela parte de Deus, causa universalíssima, e se orienta teleologicamente a Ele como a seu fim último.
De nossa parte, sem ignorar algumas técnicas hermenêuticas da moderna historiografia, levaremos em consideração os fatos históricos a partir do que Santo Tomás escreveu sobre as três virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade.
A partir daí é que propomos os três ciclos:
Ø a Era da Perda da Fé (séculos XIV ao XVIII);
Ø a Era da Perda da Esperança (séculos XIX e XX, até o Concílio Vaticano II); e
Ø a Era da Perda da Caridade (período final do século XX e século XXI — até o final dos tempos, que não sabemos quando será).
Isto não é novidade absoluta. Já o nosso Gustavo Corção esboçara algo neste sentido, ao pressupor que o século XXI seria o século sem caridade. O que nem o escritor brasileiro nem nenhum historiador que eu conheça fez foi propor o esquema acima.
Prossiga-se, pois, com os eventos que a nosso ver simbolizam esses três períodos, sem jamais perder de vista que o verdadeiro historiador é uma espécie de decifrador de códices simbólicos, e não apenas o sujeito que lê documentos do passado.
A Era da Perda da Fé
Antes de tudo, diga-se que uma era se define, entre outras coisas, pelo vetor axiológico que nela predomina, ou seja: pelos valores que movem transcendentalmente o curso dos fatos. Não é, pois, ocioso dizer que numa era comunista nem todos são comunistas, numa era democrática nem todos aderem a esta forma de governo, etc. Há marchas e contramarchas no interior de cada ciclo histórico, forças contrárias e heterogêneas em luta. Mas, por trás delas, se percebe a mudança de paradigma histórico. Foi assim, por exemplo, quando a Virgem de Guadalupe apareceu no México, no solstício de inverno, e os próprios povos locais conseguiram ler na imagem o signo de uma nova Era naquela parte do mundo.
A Era da Perda da Fé começa em dois vetores: político e filosófico. No terreno da política, ela é expressa no atentado de 1303, em Agnani, ao Papa Bonifácio VIII, último Pontífice do período medieval (...),
(O restante do texto será disponibilizado aos alunos do curso “Manifesto das Sombas”).