Cardeal Caetano contra Lutero
É claro que pelo diálogo se pode realizar o ensino, como demonstram os famosos diálogos platônicos e os de Santo Agostinho, por exemplo. Mas neste caso se trata de um método em que o mestre, por um procedimento dialético, conduz o adversário ou discípulo a um conteúdo inteligível que expressa a verdade a respeito do problema investigado. Em momento algum, neste caso, o mestre abre mão das evidências e dos pontos fundamentais pressupostos em todo o diálogo, senão que os utiliza com vistas a levar o contendor, o outro dialogante, à clara visão da verdade. Assim, Garry Kasparov, o maior enxadrista de todos os tempos, pode “dialogar” de igual para igual com um neófito que sequer conhece as principais variantes da defesa Caro-Kann, jogando com ele e apontando os lances errôneos que conduziram a partida àquela posição.
Mas é isto exatamente o que expressa a Igreja pós-conciliar com o termo “diálogo”? Seria este um procedimento dialógico que busca tirar os infiéis do erro e conduzi-los à verdade — no caso, a mais importante de todas: a dos ensinamentos de Cristo e de sua única e verdadeira Igreja, a Católica, fora da qual formalmente não há salvação? Por uma questão de honestidade, é preciso dizer aqui com toda a clareza: NÃO! O neoapostolado dos tempos posteriores ao Concílio Vaticano II é feito não apenas da exclusão de algumas das principais premissas da fé, mas também da deposição formal da autoridade no exercício do Magistério, na medida em que deste foi voluntariamente retirada a prerrogativa de impor o ensinamento de Nosso Senhor aos fiéis e excluir do Corpo Místico quem o contrarie no essencial da doutrina.
No último texto sobre o tema, mostramos que, após o Concílio Vaticano II, o Magistério transmutou-se de ensino em diálogo, por decisão claramente expressa pela Hierarquia — que propôs o diálogo como nova forma de exercer o apostolado, na ingênua suposição de que “a autoridade do diálogo é intrínseca pela verdade que expõe” (Paulo VI, Ecclesiam suam). A História da Igreja — tão repleta de heresias e de tentativas dos inimigos de corromper o fiel depósito — mostra o quão equivocada é a idéia de que a verdade “se impõe por si mesma”, em sua simples expressão. Seria de fato assim se porventura tivéssemos a intuição direta das essências, mas a realidade é bem outra: o caminho do homem à verdade se faz por meio de raciocínios, compondo e dividindo premissas e objeções com o propósito de, a partir das evidências, chegar penosamente ao conhecimento. E, para piorar a situação, este nem é o caso do conhecimento das verdades da fé, cujo conteúdo não pode ser demonstrado pela razão. A Virgindade Perpétua de Maria, por exemplo, não pode ser provada por silogismos. Tal verdade não se dialoga; aceita-se ou não.
Neste ponto, vale registrar que todo autêntico magistério — e não apenas o da Igreja — implica dois atos intencionais: o de ensinar (do mestre) e o de aprender (do discípulo). Ora, como a autoridade do mestre é medida pelo conhecimento na matéria ensinada, essas duas intenções não estão em pé de igualdade. Por isso, o aluno que interpele de forma petulante o professor sobre um assunto em que a sua ignorância é patente não merece outra coisa senão a expulsão de sala de aula. Mas há mais: outra coisa igualmente pressuposta em todo autêntico magistério é a submissão do intelecto do discípulo nos pontos em que não está em condições de discutir com o mestre (caso, por exemplo, do neófito que joga uma partida contra Garry Kasparov). Assim, como veremos abaixo, a anuência do aluno a certas verdades que ainda não está em condições de compreender se dá pelo crédito à autoridade do mestre; quando, mais tarde, ele estiver na posse dos métodos adequados e do conhecimento das premissas, aí sim a sua anuência se dará pelo peso da demonstração formal.
A propósito do assunto que serve de mote para o presente texto, transcrevo um trecho do estupendo “A Candeia Debaixo do Alqueire”, do grande teólogo Álvaro Calderón (da FSSPX). Nele, usando os conceitos de mestre principal, de mestre auxiliar e de simples repetidor, Calderón mostra como a Igreja simplesmente depôs a sua função magisterial:
“Se a Hierarquia eclesiástica não pudesse obrigar a crer ou não crer, então não teria um magistério verdadeiro e próprio.
> Em geral, o mestre principal é aquele que possui a ciência perfeita [na matéria], razão pela qual pode levar os seus discípulos a conhecer a verdade de uma proposição de dois modos: revelando-lhes sua verossimilhança ou evidência pelo peso da demonstração; ou, se ainda não estão preparados para isso, obrigando-os a defendê-la como provável ou certa pelo peso de sua autoridade**. Um simples repetidor [da doutrina], em contrapartida, que não tem autoridade própria, só pode persuadir os alunos mostrando com fidelidade o que disse o mestre. Mas também há o caso do mestre auxiliar, que participa imperfeitamente da ciência do mestre principal, e pode, portanto, desenvolvê-la até certo grau; e, ainda que dependente deste último, o mestre auxiliar tem verdadeiro magistério e pode impor certas sentenças pelo peso de sua autoridade.
Na ciência teológica, por exemplo, Santo Tomás é mestre principal. Um simples professor de seminário é um repetidor que, para ser crido, deve fundamentar cada uma de suas afirmações em textos explícitos de Santo Tomás; participa da ciência do Angélico de maneira puramente instrumental. Caetano***, em contrapartida, é um mestre auxiliar tão compenetrado do pensamento tomista que merece ser crido quando interpreta e prolonga sua doutrina. Ele tem uma autoridade participada à maneira de causa segunda: o que move a aceitar sua doutrina é formal e principalmente a autoridade de Santo Tomás de Aquino, mas secundária e como que materialmente também move sua autoridade pessoal, na medida em que seu intelecto participa do hábito teológico do Doutor Angélico.
Na ciência revelada, o mestre principal é Jesus Cristo; os diáconos e simples sacerdotes são repetidores; o Papa e os bispos são verdadeiros mestres auxiliares. Jesus Cristo lhes comunica uma luz especial pela qual participam de sua ciência divina, tornando-os capazes de interpretar e desenvolver a doutrina revelada com garantia de infalibilidade em certos casos.
> Se a Hierarquia da Igreja se negasse o poder de obrigar a crer em alguma sentença ou de ter por proscrita alguma outra pelo simples peso da autoridade que tem de Cristo, não se lhe estaria reconhecendo um magistério verdadeiro e próprio. Se ela só tivesse o ofício de mostrar a proposição e sua ligação com a fé, para que apenas em razão do objeto os fiéis se sentissem obrigados a crer, então se estaria reduzindo o magistério do Papa e dos bispos a uma simples função de repetidores. [Ora] O Papa pode impor uma doutrina das duas maneiras: como repetidor da Revelação: “diz a Escritura, ensina a Tradição, está revelado”; mas também como verdadeiro doutor com autoridade: “Eu mando que se creia ou não se creia em tal coisa”. Naturalmente, deve-se crer nele formal e principalmente pela autoridade de Deus, que o assiste: “Eu mando em nome de Deus”, mas não é necessário que o Papa diga explicitamente que o que ensina tem vinculação com a Revelação. Se obriga a crer ou não crer, é porque alguma vinculação tem, e obedecendo à voz do Magistério se obedece formal e principalmente à voz de Nosso Senhor: “Quem vos ouve a Mim ouve” (Luc., X, 16).
As intenções do magistério conciliar
(...) O magistério conciliar não só não manifestou claramente a intenção de impor sua doutrina, mas (...) claramente manifestou a intenção de não impô-la****”.
Depois deste ponto do livro, Calderón mostra que essa clara intenção contrária aos fins do Magistério implica formalmente a sua deposição (e, como dissemos acima, todo magistério implica, para começar, a intenção de ensinar, por parte do mestre). E, no caso de que se trata, o diálogo da Igreja pós-conciliar com o mundo parte exatamente da exclusão dos pontos-chave da doutrina, sempre que tais pontos firam a susceptibilidade do mundo ecumênico de hoje.
** Aqui, é importantíssimo frisar que se trata de autoridade natural (e não a sobrenatural da fé) baseada na verdade de fatos demonstrados de forma apodítica. É claro que, dada a inesgotabilidade da verdade dos entes para a inteligência humana, essa autoridade natural do mestre poderá ser questionada, mas não pelo neófito, e sim por um igual que esteja em condições de refutar-lhe os erros. É, portanto, uma autoridade relativa. O próprio Tomás dizia que o único argumento de autoridade válido simpliciter é o da Sagrada Escritura. Mas isto não implica dizer que nenhum argumento de autoridade seja válido. Por exemplo: um analfabeto de pai, mãe e parteira não tem a menor condição de discutir com um gramático quando o uso do gerúndio é certo ou errado, ou se se devem separar ou não por vírgula as orações subordinadas assindéticas reduzidas de gerúndio das orações coordenadas que se lhes seguem. Aqui, a autoridade do gramático em relação ao analfabeto é absoluta e inequívoca.
*** Calderón refere-se aqui ao dominicano Tommaso de Vio, o Cardeal Caetano, um dos maiores expoentes da história do tomismo.
**** “A autoridade do [diálogo] é intrínseca pela verdade que expõe, pela caridade que difunde, pelo exemplo que dá; não é ordem, não é imposição [Paulo VI, Ecclesiam Suam, nº 75]'”.
Sidney Silveira
Noutro texto remeti-nos a uma idéia interessante de Santo Alberto Magno em sua Suma Teológica — a de que o nome não é outra coisa senão uma implícita definição; e a definição, por sua vez, é a explicação detalhada do nome. Pois muito bem: aplicado ao conhecimento, o nome “diálogo” traz consigo implícita a idéia de paralelismo entre as pessoas que dele participam. Um grupo de cientistas, por exemplo, pode reunir-se com vistas a investigar certo problema e, nesta ocasião, cada qual expressando os seus pontos de vista e expondo as conquistas de suas pesquisas individuais (dialogando, enfim), chegar a uma resolução satisfatória. Mas o termo “diálogo” seria totalmente impróprio ou equívoco se o aplicássemos ao caso em que um só cientista, sendo detentor da resolução do problema, se dispusesse a explicá-la aos seus colegas. Aqui, o conceito unívoco e insubstituível a ser aplicado seria “ensino”.
Noutro texto remeti-nos a uma idéia interessante de Santo Alberto Magno em sua Suma Teológica — a de que o nome não é outra coisa senão uma implícita definição; e a definição, por sua vez, é a explicação detalhada do nome. Pois muito bem: aplicado ao conhecimento, o nome “diálogo” traz consigo implícita a idéia de paralelismo entre as pessoas que dele participam. Um grupo de cientistas, por exemplo, pode reunir-se com vistas a investigar certo problema e, nesta ocasião, cada qual expressando os seus pontos de vista e expondo as conquistas de suas pesquisas individuais (dialogando, enfim), chegar a uma resolução satisfatória. Mas o termo “diálogo” seria totalmente impróprio ou equívoco se o aplicássemos ao caso em que um só cientista, sendo detentor da resolução do problema, se dispusesse a explicá-la aos seus colegas. Aqui, o conceito unívoco e insubstituível a ser aplicado seria “ensino”.
É claro que pelo diálogo se pode realizar o ensino, como demonstram os famosos diálogos platônicos e os de Santo Agostinho, por exemplo. Mas neste caso se trata de um método em que o mestre, por um procedimento dialético, conduz o adversário ou discípulo a um conteúdo inteligível que expressa a verdade a respeito do problema investigado. Em momento algum, neste caso, o mestre abre mão das evidências e dos pontos fundamentais pressupostos em todo o diálogo, senão que os utiliza com vistas a levar o contendor, o outro dialogante, à clara visão da verdade. Assim, Garry Kasparov, o maior enxadrista de todos os tempos, pode “dialogar” de igual para igual com um neófito que sequer conhece as principais variantes da defesa Caro-Kann, jogando com ele e apontando os lances errôneos que conduziram a partida àquela posição.
Como se vê, num diálogo autêntico os participantes não retiram as suas premissas para evitar ferir susceptibilidades, mas colocam-nas com toda a clareza para, a partir delas, prosseguir em busca da posse formal da verdade. É o que Aristóteles chamava de “tópicos” (topoi), ou seja, os inarredáveis pontos sem os quais sequer pode haver, propriamente, diálogo.
Mas é isto exatamente o que expressa a Igreja pós-conciliar com o termo “diálogo”? Seria este um procedimento dialógico que busca tirar os infiéis do erro e conduzi-los à verdade — no caso, a mais importante de todas: a dos ensinamentos de Cristo e de sua única e verdadeira Igreja, a Católica, fora da qual formalmente não há salvação? Por uma questão de honestidade, é preciso dizer aqui com toda a clareza: NÃO! O neoapostolado dos tempos posteriores ao Concílio Vaticano II é feito não apenas da exclusão de algumas das principais premissas da fé, mas também da deposição formal da autoridade no exercício do Magistério, na medida em que deste foi voluntariamente retirada a prerrogativa de impor o ensinamento de Nosso Senhor aos fiéis e excluir do Corpo Místico quem o contrarie no essencial da doutrina.
No último texto sobre o tema, mostramos que, após o Concílio Vaticano II, o Magistério transmutou-se de ensino em diálogo, por decisão claramente expressa pela Hierarquia — que propôs o diálogo como nova forma de exercer o apostolado, na ingênua suposição de que “a autoridade do diálogo é intrínseca pela verdade que expõe” (Paulo VI, Ecclesiam suam). A História da Igreja — tão repleta de heresias e de tentativas dos inimigos de corromper o fiel depósito — mostra o quão equivocada é a idéia de que a verdade “se impõe por si mesma”, em sua simples expressão. Seria de fato assim se porventura tivéssemos a intuição direta das essências, mas a realidade é bem outra: o caminho do homem à verdade se faz por meio de raciocínios, compondo e dividindo premissas e objeções com o propósito de, a partir das evidências, chegar penosamente ao conhecimento. E, para piorar a situação, este nem é o caso do conhecimento das verdades da fé, cujo conteúdo não pode ser demonstrado pela razão. A Virgindade Perpétua de Maria, por exemplo, não pode ser provada por silogismos. Tal verdade não se dialoga; aceita-se ou não.
Neste ponto, vale registrar que todo autêntico magistério — e não apenas o da Igreja — implica dois atos intencionais: o de ensinar (do mestre) e o de aprender (do discípulo). Ora, como a autoridade do mestre é medida pelo conhecimento na matéria ensinada, essas duas intenções não estão em pé de igualdade. Por isso, o aluno que interpele de forma petulante o professor sobre um assunto em que a sua ignorância é patente não merece outra coisa senão a expulsão de sala de aula. Mas há mais: outra coisa igualmente pressuposta em todo autêntico magistério é a submissão do intelecto do discípulo nos pontos em que não está em condições de discutir com o mestre (caso, por exemplo, do neófito que joga uma partida contra Garry Kasparov). Assim, como veremos abaixo, a anuência do aluno a certas verdades que ainda não está em condições de compreender se dá pelo crédito à autoridade do mestre; quando, mais tarde, ele estiver na posse dos métodos adequados e do conhecimento das premissas, aí sim a sua anuência se dará pelo peso da demonstração formal.
A propósito do assunto que serve de mote para o presente texto, transcrevo um trecho do estupendo “A Candeia Debaixo do Alqueire”, do grande teólogo Álvaro Calderón (da FSSPX). Nele, usando os conceitos de mestre principal, de mestre auxiliar e de simples repetidor, Calderón mostra como a Igreja simplesmente depôs a sua função magisterial:
“Se a Hierarquia eclesiástica não pudesse obrigar a crer ou não crer, então não teria um magistério verdadeiro e próprio.
> Em geral, o mestre principal é aquele que possui a ciência perfeita [na matéria], razão pela qual pode levar os seus discípulos a conhecer a verdade de uma proposição de dois modos: revelando-lhes sua verossimilhança ou evidência pelo peso da demonstração; ou, se ainda não estão preparados para isso, obrigando-os a defendê-la como provável ou certa pelo peso de sua autoridade**. Um simples repetidor [da doutrina], em contrapartida, que não tem autoridade própria, só pode persuadir os alunos mostrando com fidelidade o que disse o mestre. Mas também há o caso do mestre auxiliar, que participa imperfeitamente da ciência do mestre principal, e pode, portanto, desenvolvê-la até certo grau; e, ainda que dependente deste último, o mestre auxiliar tem verdadeiro magistério e pode impor certas sentenças pelo peso de sua autoridade.
Na ciência teológica, por exemplo, Santo Tomás é mestre principal. Um simples professor de seminário é um repetidor que, para ser crido, deve fundamentar cada uma de suas afirmações em textos explícitos de Santo Tomás; participa da ciência do Angélico de maneira puramente instrumental. Caetano***, em contrapartida, é um mestre auxiliar tão compenetrado do pensamento tomista que merece ser crido quando interpreta e prolonga sua doutrina. Ele tem uma autoridade participada à maneira de causa segunda: o que move a aceitar sua doutrina é formal e principalmente a autoridade de Santo Tomás de Aquino, mas secundária e como que materialmente também move sua autoridade pessoal, na medida em que seu intelecto participa do hábito teológico do Doutor Angélico.
Na ciência revelada, o mestre principal é Jesus Cristo; os diáconos e simples sacerdotes são repetidores; o Papa e os bispos são verdadeiros mestres auxiliares. Jesus Cristo lhes comunica uma luz especial pela qual participam de sua ciência divina, tornando-os capazes de interpretar e desenvolver a doutrina revelada com garantia de infalibilidade em certos casos.
> Se a Hierarquia da Igreja se negasse o poder de obrigar a crer em alguma sentença ou de ter por proscrita alguma outra pelo simples peso da autoridade que tem de Cristo, não se lhe estaria reconhecendo um magistério verdadeiro e próprio. Se ela só tivesse o ofício de mostrar a proposição e sua ligação com a fé, para que apenas em razão do objeto os fiéis se sentissem obrigados a crer, então se estaria reduzindo o magistério do Papa e dos bispos a uma simples função de repetidores. [Ora] O Papa pode impor uma doutrina das duas maneiras: como repetidor da Revelação: “diz a Escritura, ensina a Tradição, está revelado”; mas também como verdadeiro doutor com autoridade: “Eu mando que se creia ou não se creia em tal coisa”. Naturalmente, deve-se crer nele formal e principalmente pela autoridade de Deus, que o assiste: “Eu mando em nome de Deus”, mas não é necessário que o Papa diga explicitamente que o que ensina tem vinculação com a Revelação. Se obriga a crer ou não crer, é porque alguma vinculação tem, e obedecendo à voz do Magistério se obedece formal e principalmente à voz de Nosso Senhor: “Quem vos ouve a Mim ouve” (Luc., X, 16).
As intenções do magistério conciliar
(...) O magistério conciliar não só não manifestou claramente a intenção de impor sua doutrina, mas (...) claramente manifestou a intenção de não impô-la****”.
Depois deste ponto do livro, Calderón mostra que essa clara intenção contrária aos fins do Magistério implica formalmente a sua deposição (e, como dissemos acima, todo magistério implica, para começar, a intenção de ensinar, por parte do mestre). E, no caso de que se trata, o diálogo da Igreja pós-conciliar com o mundo parte exatamente da exclusão dos pontos-chave da doutrina, sempre que tais pontos firam a susceptibilidade do mundo ecumênico de hoje.
** Aqui, é importantíssimo frisar que se trata de autoridade natural (e não a sobrenatural da fé) baseada na verdade de fatos demonstrados de forma apodítica. É claro que, dada a inesgotabilidade da verdade dos entes para a inteligência humana, essa autoridade natural do mestre poderá ser questionada, mas não pelo neófito, e sim por um igual que esteja em condições de refutar-lhe os erros. É, portanto, uma autoridade relativa. O próprio Tomás dizia que o único argumento de autoridade válido simpliciter é o da Sagrada Escritura. Mas isto não implica dizer que nenhum argumento de autoridade seja válido. Por exemplo: um analfabeto de pai, mãe e parteira não tem a menor condição de discutir com um gramático quando o uso do gerúndio é certo ou errado, ou se se devem separar ou não por vírgula as orações subordinadas assindéticas reduzidas de gerúndio das orações coordenadas que se lhes seguem. Aqui, a autoridade do gramático em relação ao analfabeto é absoluta e inequívoca.
*** Calderón refere-se aqui ao dominicano Tommaso de Vio, o Cardeal Caetano, um dos maiores expoentes da história do tomismo.
**** “A autoridade do [diálogo] é intrínseca pela verdade que expõe, pela caridade que difunde, pelo exemplo que dá; não é ordem, não é imposição [Paulo VI, Ecclesiam Suam, nº 75]'”.