sábado, 1 de dezembro de 2012

Uma gramática catedralícia

  “Se o estilo reflete o homem, o idioma é o espelho da cultura de um povo. As palavras são o suor da atividade humana; quanto mais operoso um povo, tanto maior o vocabulário; quanto mais fecundo um aglomerado, já de cientistas, já de guerreiros, já de comerciantes, já do que quer que seja, tanto mais premente a necessidade de enriquecimento de expressões e de palavras adequadas aos inventos, às táticas bélicas, às modalidades de comércio”.
Napoleão Mendes de Almeida
Sidney Silveira
Recebi nesta sexta-feira (30/11) a visita do meu querido amigo Carlos Nougué e jantamos falando de sua Gramática, que está ganhando a forma de um denso tratado lógico-filosófico. Muito mais que um simples arrolar de normas e exercícios, ela busca remontar aos princípios configuradores do idioma pátrio, e, valendo-se de premissas aristotélico-tomistas, vai muito além de algumas das gramáticas consagradas nas últimas décadas – como as de Celso Cunha e Bechara. Ali, ter-se-á algo próximo àquilo que a tradição medieval concebeu no Trivium: a gramática inserida no pórtico da caminhada filosófica e civilizacional; o DNA da língua, mas também o escoadouro seguro das idéias e dos conceitos, sem o qual tudo tende à entropia e à desordem.
A muitos parecerá o texto revolucionário, pelo questionamento dos critérios utilizados ou abalizados por gramáticos respeitados, sejam contemporâneos, sejam antigos. E também pela quebra de uma tradição beletrista, por um lado, e formalista, por outro, que mesmo com achados e acertos em vários pontos acabou gerando incompreensões e mostrando-se incapaz de fechar paradigmas.
Tive a oportunidade de ler várias páginas do texto que o Prof. Nougué está escrevendo. A promessa é de uma obra para ficar de pé na estante. De um escrito que faz jus ao que dizia Quintiliano da gramática: arte necessária aos jovens e aprazível aos velhos (necessaria pueris, iucunda  senibus). Refiro-me, evidentemente, aos velhos e às pessoas de meia idade que ainda resistem à infantilização beócia da cultura e da política. Estes sabem que conhecer a própria língua é uma espécie de dever cívico, pois, como dizia Napoleão Mendes de Almeida (gramático a quem Nougué faz algumas críticas e que cito no pórtico deste breve texto), o idioma não é pátio de recreio ou pretexto de salamaleques. Ele é a seiva bruta que dá vida às instituições – à arte, à política, à filosofia e, em certo sentido, até mesmo à religião.
Que o Prof. Nougué nos presenteie com o seu opus magnum no começo de 2013!