terça-feira, 28 de junho de 2011

Textos no blog do SPES em defesa de D. Williamson

Sidney Silveira

Vale a pena ler no blog do SPES alguns textos sobre o julgamento de D. Williamson — bispo da FSSPX —, a realizar-se no próximo dia 04/07. O bispo está sendo acusado de "anti-semitismo" por um tribunal alemão (e, caso condenado, provavelmente será extraditado pela Inglaterra). A absurdidade da acusação e o silêncio/conivência do mundo são impressionantes. Enquanto isso, como se afirma num dos textos, “que filme, que livro, que qualquer coisa não arreganha hoje em dia seu esgar sardônico contra o catolicismo?". Wonderful world.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

São João Batista — doravante padroeiro da Sétimo Selo, do Contra Impugnantes e do Instituto Angelicum

Sidney Silveira

São João Batista é o maior dos Profetas, Santo verdadeiramente incomparável. Na verdade, é o mais elevado de todos, depois de Nossa Senhora — que é gratia plena —, a ponto de o próprio Cristo dizer dele:


"Dentre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João” (Lc. VII, 28).


Na vida deste mártir precursor do Messias encontramos misticamente tudo o que a trajetória espiritual contempla. Mas eu gostaria de destacar apenas alguns aspectos, sendo o primeiro deles a santificação. Ora, ninguém inicia o caminho de perfeição sem receber o dom da graça, que é, como dizia Santo Tomás de Aquino, o princípio da glória (inchoatio gloriæ). E a graça em João foi, verdadeiramente, abundante; para dimensioná-la, lembremos que ela foi recebida antes mesmo de ele nascer, no exato momento em que Nossa Senhora visitou a prima Isabel e o menino fez estremecer o ventre de sua mãe, ao ouvir a saudação de Maria (Lc. I, 41-44).


Isto nos aponta para uma verdade de fé digna de ser meditada constantemente: embora não tenha recebido a graça extraordinária da concepção imaculada (prerrogativa concedida por Deus exclusivamente à Virgem Puríssima, que participa instrumentalmente da união hipostática, como frisava o grande teólogo Garrigou-Lagrange), São João Batista já nasceu Santo, pois, como ensina a Sagrada Escritura, ele foi santificado ainda no ventre de sua mãe Isabel, no momento em que esta se encheu do Espírito Santo. “Não temas, Zacarias, que a tua oração foi ouvida. Isabel, tua esposa, dará à luz um filho e chamar-lhe-ás João. Ele será grande diante do Senhor e cheio do Espírito Santo desde o ventre da mãe” (Lc. I, 13-15).


Reflitamos, pois, acerca disto:


a) Maria Santíssima foi concebida sem pecado, ou seja, foi imaculada desde a concepção;


b) João, o maior dos Santos depois de Maria, embora concebido em pecado, como nós, foi santificado ainda no ventre de sua mãe, ou seja, antes mesmo de nascer;


c) todos os demais Santos receberam a graça depois de nascidos.


Por aí podemos ver o quanto Santo Tomás de Aquino estava certo ao remeter-nos, em diferentes pontos de sua obra, a uma verdade teológica: Deus dá graças proporcionadas à missão que escolhe para cada um. A de João, a propósito, foi nada menos que a de aplainar os caminhos de Nosso Senhor — razão pela qual veio ao mundo já sob a sombra benfazeja da graça. Missão altíssima; graça abundantíssima a ela proporcionada.


Outro ponto digno de nota na vida de São João Batista: jejum e oração — as armas de que o cristão deve munir-se para fazer a graça recebida dar os frutos queridos por Deus. Ora, João é modelo neste aspecto, por sua austeridade e pelo total desapego das coisas mundanas. Sabemos pela Sacra Pagina que o grande Santo alimentava-se de gafanhotos e mel e vivia no deserto em oração constante. Portanto, a eloqüente pregação e o batismo de conversão e arrependimento deste que é o maior dos Profetas nutriam-se, no tocante ao aspecto prático, da vida de jejum e oração. Ressalte-se, neste contexto, que a importância deste “sim” interior, desta nossa anuência ao amor de Deus, antes de qualquer ação importante do ponto de vista espiritual, nós a podemos vislumbrar pelo fato de o próprio Cristo, o Verbo Encarnado, ter querido submeter-se ao batismo de João, antes de ir para o deserto ser tentado pelo diabo.


Vale ainda lembrar que a Liturgia tradicional celebra João dizendo, no intróito de sua festa (dia 24 de junho), o seguinte: de ventre matris meæ vocavit me Dominus nomine meo: et posuit os meum ut gladium acutum (“O Senhor chamou-me pelo nome desde o ventre de minha mãe. Fez da minha boca uma espada irresistível”). E o profeta Jeremias (I, 5-9), nessa mesma Liturgia, nos diz: Priusquam te formarem in útero, novi te: er antequam exires de ventre, sanctificavi te. (“Conheci-te ainda antes de te formar no ventre de tua mãe e santifiquei-te antes de vires à luz”).


Por fim, eu gostaria de fazer menção à coroa do martírio, que os grandes Santos recebem de acordo com o beneplácito divino, em geral pelo seguimento fiel da Palavra de Deus. Neste ponto vale meditar o seguinte: é impossível conciliar duas coisas entre si separadas por um abismo — a verdade revelada e o espírito do mundo. Portanto, mesmo que Deus não nos dê a glória de morrer devido ao odium fidei do mundo, como foi o caso de João, cuja cabeça foi entregue numa bandeja, cada um de nós pode (e deve) perguntar-se reiteradas vezes: até que ponto sou capaz de me expor para defender as verdades da fé? Que cicatrizes apresentarei a Nosso Senhor, quando ele me perguntar: ‘Que fizeste com os talentos que te dei?’, ou seja, quando ele pedir-me que lhe preste contas (cfme. Mt. XXV, 19)? Serei eu capaz de perder algumas das minhas comodidades temporais ou psicológicas para colocar-me ao lado do Evangelho? De alguma maneira sou capaz de aplainar os caminhos de Cristo para alguma alma?


Em geral, a nossa fraqueza dista imensamente de tão elevado estado de espírito. Por isso, antes de tudo, devemos pedir a Deus as graças santificantes sem as quais sequer podemos começar a caminhada espiritual, como se disse acima. E mais do que cumprir o preceito dominical, que é dever de todo católico, é necessário buscar a comunhão freqüente, pois é da Eucaristia que nos vêm a força para não cair fragorosamente, de pecado em pecado, até chegar ao abismo da cegueira mental mais dramática, pois na Eucaristia Cristo está totalmente — em corpo, sangue, alma e divindade, embora alguns hereges inventem bobagens para contrariar sofisticamente o dogma.


Encerro fazendo uma referência à razão de ser deste breve texto. Ontem, durante a Santa Missa dominical, antes de comungar em intenção de agradecimento por ter saído quase ileso de um grave acidente automobilístico — que sofri no dia de São João Batista, a última sexta-feira, 24/06 —, ouvi na homilia o padre dizer uma coisa muito acertada: "O cristão deve estar sempre preparado para duas coisas, comungar e morrer. E se não estiver pronto para comungar, muito menos estará para morrer. Portanto, quem não está devidamente preparado para essas duas coisas... é bom que não seja colhido pela morte súbita!". Imediatamente pensei em João Batista, em cuja festa litúrgica livrei-me da morte; e o meu coração encheu-se de devoção por sua excelsa santidade.


Obrigado, São João Batista! Doravante serás o padroeiro de todas as atividades da editora Sétimo Selo, do blog Contra Impugnantes e do Instituto Angelicum, as quais são ofertadas à Virgem Maria, nossa Mãe santíssima. Que essas atividades continuem apenas se for da vontade de Deus.


Amém.


Em tempo: O táxi em que eu ia capotou três vezes (quem quiser ver o estado do veículo, clique aqui). Saí com um leve traumatismo craniano e uma contusão pequena na bacia. Os exames constataram não ter havido nenhuma lesão cerebral, graças a Deus. Agradeço a todos os amigos queridos que, sabendo do acidente, rezaram para que não fosse nada grave. A propósito, como é habitual acontecer no jornalismo tupiniquim, as informações no link acima estão desencontradas: quem não se feriu foi a motorista do automóvel que causou o acidente; e no táxi estávamos um passageiro (eu) e o motorista.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Pensamento modernista (I): Xavier Zubiri — de excomungado por heresia a sacerdote secularizado

Sidney Silveira


Uma das características fundamentais do liberalismo católico, chamado por São Pio X de modernista e denunciado como um grande sistema na Pascendi, é a aversão à autoridade. Em resumo, o católico liberal vive a dicotomia liberdade/autoridade (dogmática) como um drama que atinge as regiões mais recônditas do seu ser. Não consegue conceber uma autoridade extrínseca à sua consciência que não apenas não limite a liberdade, mas ainda contribua sobremaneira para esta alcançar a excelência, ou, em jargão escolástico, o ótimo operativo. A sua atitude é, na prática, análoga à da criancinha que teima com o pai que o fogo não queima, e prefere experimentar a obedecer — renegando, num só ato, a autoridade paterna e a evidência objetiva da ação do calor.


Para esse liberal, a liberdade é “absoluta” — ou seja: embora resida na vontade, não se funda na inteligência (quer dizer, não é primordialmente movida por esta a partir da forma intelectiva do bem). Sendo assim, a verdade objetiva das coisas nada terá a ver com o que ele presume ser o ato humano livre. Noutras palavras, a liberdade nada terá a ver com a verdade assimilável pela potência intelectiva. A famosa frase evangélica de Jesus “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo. VIII, 32) será no máximo uma metáfora para o católico liberal, que não percebe estar na esquizofrenia de conceber uma liberdade independente do ser das coisas; sim, pois se a verdade é a assimilação da forma inteligível da realidade dos entes, uma liberdade sem verdade será uma liberdade no mínimo alheia ao ser. O que é absurdo.


Pois bem, os liberais católicos do final do século XIX (como Alfred Loisy, padre jesuíta fundador do movimento modernista) herdaram da mentalidade iluminista, cabalmente anticlerical, a sua aversão à autoridade do Magistério da Igreja; herdaram-na das revoluções engendradas por esse espírito em teoria libertário, mas na prática grandemente escravizador das almas. Naquele momento dramático da história eclesiástica, já se haviam tornado proféticas as advertências e condenações do Magistério, feitas na aurora do século XIX, ao vírus maçônico-liberal que aos poucos contaminava o Corpo Místico.


O caso Lamennais é exemplar: aquilo que pensadores como ele chamavam, por uma verdadeira torção de princípios[1], de “liberdade de consciência” não era senão um slogan sofístico que encobria o propósito de colocar num mesmo plano todas as religiões (ecumenismo), todas as opiniões (democracia liberal) e levar à configuração do Estado laico (separação entre a Igreja e o Estado, entre os poderes espiritual e político); levar, ao fim e ao cabo, à dissolução dos dogmas — ou sua transformação em proposições de caráter meramente histórico — e por conseguinte à destruição da liturgia, o que somado conduziria à descatolicização da Igreja em todos os seus âmbitos. Quem lê o Magistério que vai de Gregório XVI a Pio XII, no tocante a este tema, tem a clara visão do modernismo como um sistema espraiado no tempo e no espaço — sistema liberal “consagrado” no Concílio Vaticano II e em todo o Magistério que se lhe seguiu.


Pois bem, o que teria o filósofo basco Xavier Zubiri a ver com tudo isso? É o que veremos a partir de acontecimentos importantíssimos da sua biografia que tiveram ressonâncias tremendas em sua obra. Para começar, informemos a quem não sabe: Zubiri foi um sacerdote católico. Mas dizer isso é dizer quase nada, razão pela qual vale contar um pouco desta história a partir da farta documentação reunida pelo insuspeito biógrafo Jordi Corominas, autor do calhamaço Xavier Zubiri: la soledad sonora (920 páginas, na edição da espanhola Taurus). Ali está o retrato muito fiel de um Zubiri cujo modernismo teológico é, para dizer o mínimo minimorum, insofismável.


Antes de tudo, vale ressaltar que o modernismo católico das últimas décadas do século XIX tinha o propósito jamais disfarçado de adaptar a fé ao cientificismo de cunho evolucionista que ganhara a Europa, de conciliá-la com as novas noções de liberdade e de ciência provenientes de uma multidão de correntes filosóficas nascidas ou crescidas da aversão à autoridade da Igreja — no plano moral, religioso, político e filosófico. Desde cedo os Papas perceberam o seguinte: levado às últimas conseqüências, esse modernismo conduziria a uma fé sem dogmas, a uma moral sem religião e a uma religião imanentista, ou seja, mero produto de questionamentos humanos universais. A uma religião não revelada, e, portanto, não católica. Daí a ação pronta do Magistério (cujo carisma, não custa lembrar, é o de ensinar a todos as verdades da fé) de tentar pôr um freio a esse movimento crescente desde meados do século XIX no seio da própria Igreja.


Um dos mais destacados intelectuais modernistas do período foi o citado Loisy, excomungado em 1908 por São Pio X e desde 1893 afastado prudencialmente pelas autoridades eclesiásticas da cátedra que ocupava no Instituto Católico de Paris, onde ensinava toda a sorte de heterodoxias. Um exemplo é a sua tese de que haveria um Cristo histórico que nada tem a ver com o Jesus dos Evangelhos, com o Cristo da fé que conhecemos desde o Catecismo. Essa tese levou, no final das contas, alguns seguidores de Loisy a fazer a grande pergunta: Jesus de fato existiu? Pois bem, para termos uma pequena idéia de como o modernismo tomou a Igreja de roldão após o Vaticano II, hoje se ensina em alguns seminários que o excomungado Loisy é um grande modelo de teólogo. Gente muito fina! Assim como Antonio Rosmini (hoje beato!), pensador cujas teses condenadas por três Papas merecerão outro artigo desta série.


Comecemos a nossa história com o jovem seminarista Zubiri, que assistia clandestinamente (ou seja, às escondidas do reitor do Seminário) às aulas de ninguém menos que o — já então — excomungado Alfred Loisy, enquanto lia vorazmente as obras do herege Maurice Blondel constantes do Index Librorum Prohibitorum. Bem, o fato de Zubiri estudar às escondidas, em si, nada depõe contra ele (eu mesmo sou procurado por seminaristas que me pedem sigilo, porque ser meu amigo parece estar acarretando advertências eclesiásticas); ocorre que o que o futuro padre Xavier Zubiri aprendia com esses teóricos do modernismo era a fina-flor das teorias anticatólicas. Mais ainda: das teorias anticatólicas condenadas solenemente pela autoridade magisterial, sob ameaça de excomunhão para os recalcitrantes que bebessem daquele veneno pseudoteológico. No entanto, como se disse acima, nada mais problemático e dificultoso para uma alma minada pela mentalidade liberal do que aceitar a autoridade.


Desde o seu bacharelado num colégio marianista, Zubiri já se mostrava encantado com professores e autores heterodoxos, do ponto de vista da doutrina católica. O primeiro deles foi Domingo Lázaro, para quem a fixidez dos dogmas e o rigor do ensinamento escolástico eram mais perigosos para o catolicismo do que as críticas e a ação dos modernistas, razão pela qual ele pregava o “diálogo” com estes. Ocorre que tal diálogo — como costuma ocorrer desde quando Eva dialogou com a serpente —, em vez de fazer Zubiri aproximar-se do bem da Tradição, levou-o ainda mais firmemente para o mal do modernismo. É nessa época, por volta de 1914, que o futuro padre se enfronha no pensamento de Loisy, de Blondel, de Lagrange (não o padre Garrigou, é claro!) e de outros. Em carta a Eijo y Garay, datada de 19 de março de 1922, o basco confessa que, no tempo de seu bacharelado, em vez de se afastar das formulações modernistas, se sentiu fortemente atraído por elas a ponto de distanciar-se do que defendia a Igreja, em suas próprias palavras.


Como afirma o seu biógrafo, Zubiri tinha plena consciência de que as suas idéias o apartavam da fé e o arrojavam numa crise entre a sua vida intelectual e a trajetória como seminarista, primeiramente, e depois como sacerdote. Essa crise chegou ao ápice em 1922, quando ele foi excomungado por defender heresias e delas recusar-se a se afastar, mesmo depois de advertido pelas autoridades. Anos depois, numa carta ao Tribunal Eclesiástico de Madrid (de 1935, época de sua secularização), Zubiri escreve: “Cada vez mais a minha posição se afastava da ortodoxia católica. Cheguei ao ponto em que me dei conta de que a minha fé se tinha apagado por completo. Não se tratava de uma simples crise, e sim de uma ausência positiva (grifo nosso!) de fé". Noutra carta, alguns anos antes, escrita a Benigno Pérez, confessava angustioso o nosso filósofo: “Vejo em mim apagadas as fontes da fé católica. (...) Cada vez que a vida me obriga a tomar posição no quadro das crenças (grifo nosso!) sinto medo de ser católico”.


Veremos, no próximo texto, as teses modernistas de Zubiri que o levaram à excomunhão. Mas adianto que não se trata da sua herética opinião sobre a Eucaristia (escrita depois de ele ter sido excomungado) à qual fizemos alusão noutra ocasião.


(continua)


Em tempo: Observe-se que em momento algum se desqualificou qualquer tese do filósofo basco por ele ter sido excomungado; e nem o faremos, porque isto seria um claro uso indevido do argumento ad hominem. O nosso propósito é, entre outras coisas, mostrar como o modernismo católico pode engendrar filosofias problemáticas e, no final das contas, alheias ou contrárias à fé. E como o contato com elas, para o fiel católico, deve ser feito com a mesma prudência com que ele deve ler Kant, Heidegger, Husserl, Sartre, Kierkegaard, Scheler, etc. Isto porque, sem tais advertências, o risco de cair em heresias e perder a fé é exponencial (como no caso do próprio Zubiri). Pena que este conselho prudencial não se ensina mais nos seminários, até porque o conceito de heresia simplesmente esfumou-se na Igreja pós-conciliar.



[1] Mostramos, numa série de textos, que os liberais de todas as linhas usam os termos “consciência”, “liberdade” e “indivíduo” de forma equívoca.

domingo, 19 de junho de 2011

"As Heresias de Pedro Abelardo", de São Bernardo de Claraval

Sidney Silveira


Finalmente, o livro As Heresias de Pedro Abelardo, de São Bernardo de Claraval, entra em processo de finalização da edição. Com a graça de Deus, ele virá a lume no próximo mês, numa edição bilíngüe que inclui uma importante carta do grande abade cisterciente ao Papa Inocêncio II. O leitor brasileiro terá, pela primeira vez, a oportunidade de entrar em contato com um texto demolidor deste gigante da fé que foi São Bernardo. Pela primeira vez, verá como o retórico e lógico Abelardo foi vencido pela força verdadeiramente avassaladora do homem mais importante do século XII, um santo admirável sob quaisquer ângulos pelos quais contemplemos a sua trajetória. Escritor sem par.

Com esta edição, penso que entre nós será jogada por terra definitivamente a crença historiográfica, fruto de uma tremenda má-fé hermenêutica, que fez de São Bernardo o algoz e de Abelardo um "coitadinho". Obra importantíssima; num certo sentido, a mais relevante já lançada pela editora Sétimo Selo.

Darei mais notícias em breve.

terça-feira, 14 de junho de 2011

As relações entre a inteligência e a vontade (VII): um erro capital do tomista Cornelio Fabro

Sidney Silveira


A participação dos entes na ordem do Ser se dá em graus, e estes são especificados pela nobreza ontológica de cada um — que a nossa inteligência é capaz de deduzir ao considerar o seu modo de operação, pois, como diz o axioma escolástico, “o operar segue o ser”. Assim, quanto mais perfeito for o ato de ser de um ente, tanto mais nobres serão as potências radicadas em sua forma e, por conseguinte, mais perfeições ele poderá atualizar e participar.


Descobrimos isto a partir da forma do ente, que é princípio de operação e de inteligibilidade; mas essa forma é abstraída da qüididade material da coisa (quidditas rei materialis), pois não podemos ter um vislumbre intuitivo da essência dos entes, ao contrário do que imaginava Husserl, na esteira de Duns Scot. Reiteremos: o grau de ser de um ente é deduzido por nós de sua forma, e esta, por sua vez, é abstraída por nossa inteligência da materialidade que os sentidos captam. Isto porque não temos contato direto com o ato de ser dos entes, mas sim com a sua forma a partir da matéria.


A diferença entre um inseto invertebrado e um homem idiota é, a título de exemplo, quanto ao grau intensivo de ser: o invertebrado não tem potência para a idiotia, mas muito menos tem-na para a sabedoria, dado que não pode participar nenhuma ciência a outrem porque não a pode ter. A sua participação no Ser é, pois, em grau muito inferior e menos intensivo que a do homem. Em palavras chãs: um inseto não pode aprender nem ensinar a verdade, ao passo que o idiota, embora não ensine, tem potência para aprender. A capacidade de ser idiota, como se vê, é apanágio do homem — pois só ele pode dar-se ao luxo da estupidez. Mas da idiotia ele pode sair pelo aprendizado; ou, nos casos mais dramáticos de burrice acachapante, com o luxuoso auxílio da graça divina.


Pois bem. Nos entes compostos, a atualização das potências se dá por meio de faculdades, e estas se ordenam umas às outras para que se realize o optimum operativo radicado, em última instância, no ato de ser participado por Deus, o Próprio Ser Subsistente — na Criação. No caso do homem, ente composto, há ordem entre as potências para que ele atualize os atos próprios de sua essência — e onde existe ordem existe hierarquia, subordinação ontológica. Neste contexto, diga-se que a nota distintiva do ser humano não são as suas potências sensitivas, pois estas no homem são instrumentais com relação às potências intelectivo-volitivas, dado que, para entender e querer, nos valemos dos sentidos. Mas também entre as potências superiores há ordem e subordinação, pois, como se frisou num dos textos desta série, a superioridade necessária da inteligência em relação à vontade é quanto ao ser; a superioridade acidental da vontade em relação a inteligência é quanto ao operar.


Em termos simples, podemos dizer que a vontade, ao querer, participa necessariamente da inteligência, pois não se pode querer o que não se entende — ainda que se entenda mal, pois a vontade labora até mesmo a partir de vestígios de inteligibilidade; mas a inteligência, ao inteligir, não participa da vontade. Traduzamos isto em palavras bem didáticas: o homem pode entender sem querer, mas jamais pode querer sem entender, pois o objeto da vontade é a forma intelectiva do bem, a ratio boni apreendida pelo intelecto. E isto se dá mesmo nos casos em que a inteligência labora em erro ou está obliterada por paixões perversas; neste caso a inteligência é causa acidental da má escolha da vontade. Por aqui se vê como é importante nos esforçarmos para entender as coisas como são, pois com isso a nossa vontade se torna mais preparada para exercitar a liberdade.


Pois bem, no primeiro texto desta série afirmou-se que faríamos alusão ao caráter problemático — ou, melhor dizendo, ao erro — do tomista Cornelio Fabro em textos nos quais aborda a relação entre a inteligência e a vontade. E ali citáramos o livro Riflessioni sulla Libertà, onde o padre italiano dá vazão à sua heterodoxia nesta matéria, pendendo para um voluntarismo que não tem base nos textos de Santo Tomás, mas antes se assemelha à posição de Duns Scot segundo a qual a vontade autodetermina-se. Ora, sendo Fabro um metafísico e um leitor tão sagaz da obra do Aquinate, ao nosso ver tal erro só pode ter sido motivado pela assimilação de algumas categorias do pensamento moderno e posterior tentativa de inseri-las no contexto da metafísica tomista, com o mal-disfarçado intuito de fazer da liberdade uma espécie de “absoluto” transcendental inexpugnável.


No livro citado, o capítulo “Horizontalidade e verticalidade na dialética da liberdade” (título meio abstruso, como sói acontecer na terminologia fabriana) resume a tese do nosso autor, no ponto que nos interessa. Para começar, de acordo com o italiano, o domínio objetivo (e formal) do intelecto sobre a vontade é, em verdade, pertencente aos pontos capitais do que ele chama de “tomismo histórico” (punti capitali del tomismo storico), dando com isso a entender que a tese não seria propriamente da lavra do Angélico Doutor, mas dos tomistas, embora reconheça haver textos do mestre medieval que dão suporte a ela.


Ocorre que, com o propósito de identificar essa tese clássica do Aquinate com um suposto “intelectualismo aristotélico” assimilado pela escola tomista, Fabro chega a dizer que o lapidar princípio simpliciter intellectus est nobilior quam voluntas (“em sentido absoluto, o intelecto é superior à vontade”) é estático e formal. O italiano não se conforma com o fato de que a “razão de bem apetecível” (ratio boni appetibilis) seja objeto exclusivo do intelecto, embora não aduza sequer um argumento convincente para defender sua idéia.


Como veremos, a inócua tentativa de desqualificar a tese da superioridade metafísica do intelecto sobre a vontade tem uma razão de ser, no texto fabriano. Mais à frente, no mesmo capítulo do livro, num tópico com o sugestivo título de “Superioridade dinâmica da vontade quanto ao objeto que é o bem”, Fabro se diz perplexo com a afirmação (expressa no texto de Santo Tomás!) de que o intelecto move a vontade. E então, mesmo contrariando a letra e o espírito claríssimos de uma passagem da Suma Teológica (I, q. 82, art. 4), é ele quem nos deixa absolutamente perplexos com esta opinião: “Dizer que o intelecto move a vontade é uma simples metáfora” (dire che l’intellecto “muove” la volontà è una semplice metafora). Uma metáfora? Terá o tomista italiano esquecido neste ponto que todo movimento pressupõe um ato do motor (actus motoris), um ato do móvel (actus mobilis) e uma tendência ao fim (via ad terminum), e que aqui se trata do fato de a inteligência ser motor da vontade subministrando-lhe a forma intelectiva do bem sem a qual ela sequer poderia querer? Custa-nos acreditar.


Para Fabro, o intelecto apresenta o objeto apetecível à vontade, mas esta pode aceitá-lo ou não, querê-lo ou não. Pois bem, quanto a isto nem Santo Tomás de Aquino jamais disse o contrário, pois há uma indiferença subjetiva da vontade com relação aos bens particulares. Ocorre que a moção primordial da inteligência sobre a vontade — no contexto de que se trata — é quanto à forma intelectiva do bem, e não com relação a este ou àquele bem particular. Mas Fabro, no desenvolvimento de sua opinião de que “a vontade é a faculdade que constitui a atividade mais profunda do espírito” (è la volontà la facoltà che constituisce l’attività più profonda dello spirito), deixa de lado esta distinção fundamental. Aqui começa a tornar-se ainda mais clara a raiz do erro: o propósito de fazer da liberdade quase um transcendental do ser.


No tópico seguinte do livro de Fabro, o problema aumenta bastante. O autor italiano apóia a sua tese da superioridade metafísica da vontade sobre a inteligência na famosa premissa de Santo Tomás (expressa, entre outros lugares, no Comentário às Sentenças, IV, d. 49, q. 2, a. 7) de que amar a Deus é melhor do que conhecê-Lo. Ocorre que, com essa premissa, o Aquinate se referia ao homem no atual estado de vida, em que só é possível conhecer a Deus pelos seus efeitos, ao passo que na glória O veremos face a face. Daí dizer Gallus M. Manser, um tomista sem pruridos dialogantes com o pensamento moderno, o seguinte: “Na outra vida [sob a luz beatificante da glória], a fé se converte em contemplação, a esperança se vê cumulada e o amor se segue à posse contemplativa da felicidade pelo intelecto; nesse estado, o intelecto recupera [totalmente] os direitos naturais de sua soberania [sobre a vontade]”. Ou seja: para nós, nesta vida, Deus é mais amável do que cognoscível apenas porque o nosso conhecimento natural d’Ele é tênue; mas na outra vida esse amor estará por completo sob o influxo benemerente do conhecimento que d’Ele teremos, incomensuravelmente superior ao atual.


Os títulos dos trechos seguintes dessa obra de Cornelio Fabro não deixam a mais ínfima margem a dúvidas: “Estrutura transcendental (existencial) da liberdade radical” e “Autodeterminação originária da vontade”. Em resumo, a liberdade, neste contexto, seria como um dos transcendentais do ser (a propósito, quase na mesma época, o filósofo do Opus Dei Leonardo Polo também pretendeu defender a tese da transcendentalidade da liberdade, mas de forma totalmente malograda). Nesses textos Fabro tenta mostrar que a libertas exercitii da vontade faz desta faculdade algo “independente na ordem tendencial” — contrariando alguns textos eloqüentes de Santo Tomás, embora apoiando-se em outros fora do contexto, como no exemplo acima citado.


No caso supracitado, Fabro menciona um texto da obra De Veritate em que o Aquinate afirma que a vontade pode querer ou não querer (potest velle et non velle), mas o italiano é claro ao não aceitar a tese tomista de que este livre-arbítrio só se dá com relação aos bens particulares, mas nunca, jamais, em tempo algum, com relação à ratio boni e, muito menos, ao Bem supremo que é Deus — pois, ao ver a Deus face a face, não é possível a nenhuma criatura pecar, não é possível a nenhuma não querê-Lo, não é possível a nenhuma não amá-Lo.


Não negamos a importância histórica de Cornelio Fabro como tomista, sobretudo por ter dado ênfase à teoria do actus essendi em Santo Tomás, assim como por mostrar de forma clara que o Aquinate fez uma síntese abarcadora entre a metafísica aristotélica e o conceito platônico de participação, até então dados como inconciliáveis. Trata-se sem dúvida de um metafísico de escol, embora como teólogo deixe a desejar, entre outras coisas, ao nosso ver, pela apatia do seu “diálogo” com a filosofia moderna.


Por fim, no tema de que tratamos neste breve texto, o filósofo italiano é não apenas bastante heterodoxo, mas frontalmente contrário ao mestre medieval. Levada às últimas conseqüências, a sua tese não pode senão descambar no voluntarismo individualista que caracteriza o homem moderno: um homem sem fé, sem esperança e sem caridade.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Duas Encíclias no "blog" do SPES



Sidney Silveira

Foram postadas hoje duas Encíclias importantes no blog do Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás de Aquino - SPES. Ad Caeli Reginam, de Pio XII, e Summi Pontificatus, do mesmo Papa. Recomendamos a leitura. A primeira trata da realeza de Maria e a segunda, do ofício do Pontificado.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O oferecimento de um Ordinariato à FSSPX

Carlos Nougué


Passamos o dia de hoje (10/6/2011) entre informações numerosas e por vezes díspares acerca de um suposto oferecimento de Ordinariato, por parte do Papa, à FSSPX, como forma de “regularizar sua situação canônica”.


Não temos nós a menor condição de atestar a veracidade dessas informações, nem, muito menos, a de saber em termos concretos a resposta dos destinatários do oferecimento. Mas podemos e devemos dizer duas coisas que decorrem dos princípios sobre os quais fundamos o SPES.


1) Esperamos (em todos os sentidos do termo) que o oferecimento não seja aceito. Por quê?


2) Precisamente porque:


a) é a FSSPX o principal bastião da resistência à descristianização total do mundo, à tentativa de desentronizar, como dizia Dom Marcel Lefebvre, o Rei único dos tempos e dos espaços, dos poderes e das almas individuais — Cristo;


b) é a doutrina conciliar, ou seja, a oriunda do Concílio Vaticano II (sobre a qual se funda o papado desde então), peça-chave para a consecução de um poder mundial que é, por seu lado, precondição para o advento do Anticristo;


c) é o ecumenismo vaticano-segundo, com sua tendência à criação de uma espécie de suprarreligião universal ou, ao menos, de um parlamento das religiões sem distinção de verdade e falsidade, o elemento central daquela doutrina;


d) é tal ecumenismo de cunho radicalmente humanista, ou seja, tem por fim último o homem e o mundo, e não a Deus;


e) e é em razão de tais objetivos de fundo anticatólico que o papado conciliar vem insistentemente e verdadeiramente aliciando, desde o início, a tradição católica: que ela siga rezando sua missa tridentina, que siga usando sua batina, mas que se cale quanto ao ecumenismo e ao humanismo, essas verdadeiras afrontas à Verdade e à Fé — e à Cruz que as sustenta.


Ora, olhar tais questões — que têm que ver, ademais, com a vida ou a morte eternas de um número incontável de almas —, olhá-las, dizemos, apenas do ângulo da normalidade “legal” da FSSPX e dos demais grupos tradicionalistas é precisamente inverter, e em hora tão dramática, a realidade: é pôr a Verdade, a Fé e a Cruz de ponta-cabeça, sob o peso esmagador de uma religião que já não é a de Cristo, mas a do homem.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Emails

Sidney Silveira

Peço um pouco de paciência aos leitores do Contra Impugnantes que me têm enviado emails sobre questões as mais diversas; há uma semana não os abro — com exceção dos relativos ao trabalho. E não tenho previsão de fazê-lo ao longo deste mês. Digo isto porque algumas pessoas têm reenviado a mesma mensagem duas ou mais vezes, talvez por julgar que não recebi.


Preferi fazer este esclarecimento no blog, porque escrever a cada pessoa também me custaria tempo, e estou assoberbado. Agradeço a compreensão, nobres amigos.

terça-feira, 7 de junho de 2011

A sombria estética do catolicismo pós-conciliar











Sidney Silveira

Há quase dois anos, escrevemos no Contra Impugnantes um texto que fazia referência ao templo erigido ao Padre Pio na Itália, repleto de mal-disfarçados anagramas maçônicos em sua arquitetura — cheio de imagens frontalmente anticatólicas. Agora, têm circulado pela internet algumas fotografias da terrífica Sala Paulo VI, no Vaticano, e da estatuária monstruosa que “enfeita” a Catedral de Brescia. Qualquer pessoa com um mínimo bom senso há de assustar-se à simples visão desta arte em que o grotesco predomina, o assombroso mostra-se em sua canhestra nudez. Em alguns destes casos, não se trata mais de algo oculto, e sim de uma malignidade facilmente identificável à primeira vista.


Nas imagens mais acima, por exemplo, Cristo ressurge da matéria, numa alusão claríssima à teologia darwinista de Teilhard de Chardin. Em poucas palavras: a ressurreição — ali representada — seria fruto da evolução da matéria, o que se ilustra por uma espécie de húmus larvar em que insetos se desenvolvem. Todo o movimento da obra parece indicar a Cristo como uma crisálida presa à matéria, dela saído e por ela sustentado. Além do mais, a obra em seu conjunto é simplesmente aterradora, coisa mesmo de assustar criancinhas. Quem disser que ela é adequada para expressar o mistério da ressurreição de Nosso Senhor, ou qualquer outra verdade de fé, tem maldade no coração ou não sabe o que são as coisas santas. Seria como afirmar que uma composição do declarado satanista Marilyn Manson expressa a piedade cristã.


As demais imagens são ainda mais inacreditáveis. Numa delas vemos o papa Paulo VI representado como uma espécie de mago do mal, com o rosto crispado, a testa franzida, o olhar arrevesado, a coluna encurvada. Noutra observa-se o mesmo papa com os dedos alongados e desproporcionais (no momumento na praça inferior do Santuário da Virgem Coroada, em Varese, na Itália), numa estátua cheia de simbologia maçônica (a propósito, da famosa lista de maçons do Vaticano feita pelo jornalista Mino Pecorelli, assassinado no ano de 1979, em Roma, consta o nome do secretário pessoal de Paulo VI, o arcebispo Pasquale Macchi, que mandou construir essa obra. Coincidência?).


Mas o pior de tudo são as imagens da placa direita que fica no pedestal da obra em Brescia, onde o losango de quatro partes — símbolo da maçonaria universal — está dos dois lados. Num desses losangos as cenas mostram, em uma parte, um horrível monstro a atacar o papa pelas costas, e na outra a mão do papa (cortada) parece simplesmente ter largado a mitra. Como li num site da Tradição, alguém poderia muito bem interpretar congruentemente, nestas duas imagens, duas coisas: o ataque ao papa e a destruição do papado.


Na parte inferior vemos o papa de cabeça para baixo, em atitude de sofrimento físico, com as mesmas falanges alongadas dos dedos que observamos na obra de Varese — falanges que, antigamente, serviam para retratar as bruxas e os feiticeiros. Quanto à parte superior desse losango, prefiro nem comentar, pois me dá medo, muito medo.


Esta é a estética oriunda da nova teologia, da nova Igreja, da Igreja reformada ad intra pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério que se lhe seguiu. Uma estética sombria que nada tem a ver com a santidade, a glória, a salvação e o poder universal de Nosso Senhor, mas antes parece representar as forças do mal que mostram as suas garras.


Até onde a vista humana alcança, o mal parece ter tomado conta de tudo na Igreja. Mas é promessa de Cristo que as portas do inferno não prevalecerão, verdade de fé na qual cremos firmemente, por anuência à autoridade divina. Ela nos dá a certeza da vitória final.


Em tempo: Ocorreu-me agora uma situação caseira. Para quem não sabe, a Catedral do Rio de Janeiro é fruto da inspiração de D. Jaime de Barros Câmara, então arcebispo por estas plagas, que numa viagem ao México achou lindas as pirâmides maias que serviam para sacrificar barbaramente crianças. Ou seja: uma Igreja que imita a forma de uma pirâmide maia que servia para tirar a vida, e com métodos brutais!!!!!!


Ora, diga-me a quem imitas, que direi se vou contigo...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

2º e 3º trechos da palestra de lançamento do livro "O Êxtase da Intimidade"




Sidney Silveira

Aos poucos, vou colocando os trechos da palestra de lançamento do livro do filósofo Juan Cruz Cruz, O Êxtase da Intimidade, como neste link (a segunda parte) e neste outro (a terceira). Os pequenos cortes, a propósito, são devidos ao fato de que a câmera simplesmente tremeu, com o movimento das pessoas próximas...

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A Reforma Ortográfica — um Acinte à Sensatez (I)



Carlos Nougué


Deixada à deriva, sem gramática, como querem muitos linguistas que, porém, defendem sua tese sem nenhuma deriva gramatical, a língua seria como a realidade-rio de Heráclito: seria puro fluxo, a ponto de não se poder falar duas vezes a mesma língua...


Ora, tal anseio, compartilhado de certa forma por híbridos de linguistas e gramáticos, não passa de fato do mais puro heraclitismo, ou seja, de uma negação da estabilidade do real. Mais simplesmente, é uma pura negação do óbvio: a gramática é parte intrínseca da linguagem; é o dique ou comporta sem a qual a língua-rio de fato fluiria e fluiria sem permanência alguma. Uma prova? A mais chã: que pai, que mãe, se dotados ao menos do ínfimo senso natural de cuidado e educação da prole, não corrigirão seu filho se ele disser algo errado? Se o pequeno disser, por exemplo, “zinza” em vez de “cinza”, hão de calar-se os pais e deleitar-se com mais essa novidade de uma permanente deriva linguística?


É tal a obtusidade daquela posição “científica”, está a tal ponto obnubilado o intelecto de seus proponentes, que estes nem conseguem ver que com tal língua-rio sem gramática nem sequer se poderia propor sua absurdidade simplesmente porque nem sequer haveria a linguagem. Bem sei que retrucarão: “Mas as línguas mudam constantemente...” E quem o nega? Um rio de tanto bater numa comporta acaba por abrir-lhe fendas e traspassá-la com mais ou menos ímpeto. Com mais ímpeto quando há apenas fiapos de civilização e a gramática natural da língua acompanha tal tenuidade: essa é a razão por que as línguas indígenas ou tribais tendiam (e tendem) incessantemente à entropia. Com menos ímpeto quando há verdadeira civilização universal (ou tendente à universalidade) e a gramática da língua se alça de componente natural a arte: era o caso da Cristandade do século XIII e sua língua científica e altamente normatizada, o latim. (Aliás, a decadência civilizacional representada pelo fim da Cristandade não poderia ficar sem efeito na língua, que, adornada o mais das vezes de beletrismo, de ordinário já não alcançaria mais que um brilho de ouropel.)


A gramática que, conquanto decorrente da gramática natural da linguagem, a sobreleva é propriamente arte. É bem verdade que, em razão da mencionada decadência linguística que se seguiu ao fim da Cristandade, a arte da gramática o mais das vezes recaiu, também ela, em beletrismo, ou seja, em atrelar a língua ao carro da literatura e aos caprichos dos literatos. Muito se teria para falar disso; mas não podemos fazê-lo aqui. Contentemo-nos com dizer, aqui, que ter uma arte gramatical falha é patentemente menos daninho que não ter nenhuma arte gramatical, porque, como visto, sem esta a língua tende mais impetuosamente a rio heraclíteo.


Pois bem, a língua escrita é o aspecto material da linguagem que de si mais capacidade tem não só de conservar-se, mas de conservá-la. Não é fato que o grego ático de um Platão não nos teria chegado se não fora a escrita? E, como nosso tema aqui é em verdade a última reforma ortográfica que vitimou a língua portuguesa, demos um salto e digamos que a grafia é a côdea deste aspecto material, e a ortografia a parte da arte gramatical que dá a essa côdea consistência e permanência no tempo.


Dizia Aristóteles, pouco mais ou menos, que é preferível uma lei imperfeita mas duradoura a uma sucessão de leis melhores mas efêmeras: porque, dizia ele, não se podem educar os cidadãos ético-politicamente sem o aprendizado de uma legislação estável. Conquanto tenhamos de matizar tal afirmação (o que, porém, é assunto para outro lugar), podemos todavia aplicá-la, perfeita e proficuamente, à ortografia. Com efeito, uma ortografia estável no tempo se torna um êthos, um costume: o pai a ensina ao filho, que a ensina ao neto daquele, que a ensina ao bisneto do primeiro, e assim sucessivamente. O que sucede se se perde tal permanência, tal estabilidade no tempo? O que sucede a alguém que aos 60 anos tem experimentar, com um travo amargo, a terceira ortografia de sua vida, como é o nosso caso? E a uma criança recém-alfabetizada que de súbito tem de aprender uma nova ortografia?


Vejamos as razões alegadas para a atual reforma ortográfica, e constataremos que ela não passou propriamente de um crime contra o ético.


a) Uma língua ortograficamente unificada em escala internacional (Brasil, Portugal, países africanos) tem mais força nesse mesmo âmbito.


b) Era preciso “simplificar” a ortografia, num plano superior ao da reforma da década de 1970.


Respondamos, ainda brevemente.


a1) Uma língua pode ter mais força em escala internacional por dois únicos motivos:


• como o latim medieval, por dar voz a uma civilização realmente superior, no caso a Cristandade, sobretudo a do século XIII;


• como o inglês atual, por dar voz a uma civilização mais poderosa econômica, política e militarmente, no caso a anglo-saxã.


(E aquele latim está para este inglês assim como o filosófico-teológico está para uma nota fiscal... ou para um míssil.)


a2) Simples, como vimos, é a ortografia que perdura. Mas demos, sem conceder, que fosse preciso simplificar a ortografia portuguesa. Então respondam os feitores da atual reforma ortográfica:


• Por que eliminaram o trema se esse sinal diacrítico simplificava enormemente o aprendizado da correta pronúncia de que, qui, gue e gui? (E não se argua que os portugueses já o tinham eliminado: terá sido a única coisa boa que fizeram nossos “terríveis” colonizadores?)


• Por que se deram ao trabalho de elaborar a seguinte e “simplicíssima” regra da acentuação do hiato: “Acentua-se a segunda vogal do hiato quando for i ou u tônicos, se sozinhos ou seguidos de s na mesma sílaba, desde que não comece por nh a sílaba subsequente nem contenha ditongo decrescente a antecedente”, regra aumentada e complicada com respeito à regra da ortografia anterior para beneficiar, pelo que lembramos, tão somente três palavras (“feiura”, “baiuca” e “Bocaiuva”)?


Por que eliminaram acentos diferenciais tão simplificadores do entendimento da escrita como o acento agudo na terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “parar”, concedendo ainda, contudo, a existência a alguns poucos? Veja-se como tal eliminação contribuiu para uma grande “simplicidade”: “Greve para São Paulo”; “Pedro para para pensar”...


• Por que eliminaram a maioria dos acentos diferenciais, deixando porém para algumas poucas palavras privilegiadas a honra de tal mitra? Por que, ademais, se decretou que se pode pôr, opcionalmente, o circunflexo diferencial sobre “fôrma” para distingui-lo de “forma”, e não se deu tal possibilidade a toda e qualquer palavra passível de confundir-se com uma homógrafa sua?


• Por que, se se tratava de simplificar, não acabaram com o hífen ou quase isso, um pouco ao modo da ortografia espanhola? Pior:


▪ Por que, entre as palavras compostas de três ou mais palavras ou vocábulos, as que não nomeiam animais, vegetais e patentes militares perderam os hifens (como “cor de burro quando foge”, “folha de flandres”, “ponto e vírgula”, “mão de obra”, “pé de valsa”), à exceção de cinco privilegiadas (“cor-de-rosa”, “água-de-colônia”, “mais-que-perfeito”, “arco-da-velha” e “pé-de-meia”)?


▪ Por que as palavras compostas de duas outras (como “para-choque”, “para-raios”, “guarda-chuva”) permanecem com hífen e não assim cinco e apenas cinco delas (“paraquedas” e suas três derivadas e “mandachuva”)?


▪ Entre as palavras compostas por prefixação, a maioria daquelas em que a última vogal do prefixo é igual à vogal inicial da palavra que se lhe segue não levava hífen na ortografia anterior, mas sim na atual (como “micro-ondas”, “anti-inflamatório”, etc.). Por quê?


▪ Ao contrário, as palavras compostas por prefixação em que a última vogal do prefixo é diferente da vogal inicial da palavra que se lhe segue levavam hífen na ortografia anterior, mas já não na atual (como “infraestrutura”, “autoexame”, etc.) Por quê??


▪ E por que, contra toda a nossa tradição ortográfica, se criaram monstrengos como “coerança”, “coerdeiro” e que tais, se, muito longe de simplificar, eles complicam demasiadamente o ato da leitura?


Poder-se-iam multiplicar as citações das aberrações nada simplificadoras, mas altamente perturbadoras, da recente reforma ortográfica. Ainda a bem da brevidade, porém, consideremos bastante a amostra acima, e concluamos este breve artigo.


O que levou efetivamente a uma reforma ortográfica tão antiética? Certamente uma conjunção complexa de fatores.


1) A patente decadência civilizacional.


2) A crescente e nefasta tendência dos estudos da linguagem a aderir à tese da língua-rio heraclítea.


3) As debilidades da própria gramática tradicional, que a deixaram indefesa ante as investidas da linguística.


4) E — não somos tontos — a possibilidade de ganhos imensos, sobretudo num país em que o estado compra quase toda a produção de livros didáticos e paradidáticos. Imaginem os verdadeiros rios de dinheiro que correram quando o governo federal adquiriu uma multidão, por exemplo, de dicionários atualizados e relançados em razão da reforma ortográfica...


A recente reforma ortográfica, em suma, não é mais que um simples reflexo de um mundo feio, tão feio como a “feiura” sem acento; de um mundo intelectualmente pobre, tão pobre quanto as risíveis contradições e absurdos de que ela se tece (ou se destece); de um mundo “rico”, tão “rico” como a corrente impetuosa da cobiça que arrebenta os últimos diques da inteligência e da ética.**


__________________


* Até o fim deste ano estará publicada uma gramática nossa, onde, a par de normas dadas o mais simplesmente possível e segundo padrões lógico-tradicionais, também poderemos espraiar-nos um pouco mais sobre os assuntos tratados aqui.


** Como se pode ver, escrevemos este artigo, do início ao fim, com a ortografia reformada. Com efeito, também nós fomos levados de roldão pela torrente sem comportas...

quinta-feira, 2 de junho de 2011

1º trecho da palestra de lançamento do livro "O Êxtase da Intimidade"


Sidney Silveira

Comecei a postar no Youtube alguns trechos da palestra a propósito do lançamento do livro "O Êxtase da Intimidade", do filósofo Juan Cruz Cruz. O primeiro deles está aqui. Observo apenas que, dada a heterogeneidade do público, se buscou um tom didático e sem jargões.

A reforma da língua pelos "aglotas"

Sidney Silveira

Continuo, infelizmente, sem tempo para responder (às vezes sequer abrir) aos meus emails, e por conseguinte para postar novos textos no Contra Impugnantes. O Nougué mais ainda! Contudo hoje passo aqui apenas para anunciar que, um pouco mais adiante, o Prof. Nougué apresentará uma verdadeira demonstração apodítica da absurdidade da recente reforma ortográfico-gramatical, que, infelizmente, todos os editores brasileiros assimilaram sem dar um pio — num bom-mocismo que denota claramente o estado de coisas por estes trópicos ínferos. Na editora Sétimo Selo recusamo-nos a dizer "amém" a esta bizarra mudança; os livros continuam a ser publicados na ortografia anterior. A menos que nos obriguem legalmente.

Esta reforma foi capitaneada por interesses financeiros de meia dúzia de editores apaniguados do governo, e levada a cabo pela vaidade de alguns gramáticos confusos. E o pior de tudo: foi uma reforma imposta arbitrariamente pelo poder público, que pôs o dedo onde por princípio não deve pôr, dado que a língua é patrimonônio de um povo, sustentáculo da cultura, veículo de preservação dos valores e idéias, e não se mexe nela ao arbítrio de uma pequena parcela de pessoas. Tratou-se de uma reforma referendada por "aglotas", termo usado por um professor de português que tive (já falecido), para designar os antípodas do poliglota: é o sujeito que não fala idioma algum, nem o pátrio...

Se não gritarmos agora, em breve virá a reforma que imporá a linguagem internética (e onomatopaica) dos "kkkkk", "rsrsrsrs", etc., mais própria de galináceos ou de asnos consumados e hereditários.

Aguardem: os argumentos gramaticais (e históricos) do Nougué são absolutamente demonstrativos. Eu o instei a escrever o texto, que será um grande serviço.

Ao ser publicado por aqui, peço a todos que o difundam.

P.S. Fico cá com os meus botões pensando: pena que não temos mais no cenário nacional um Napoleão Mendes de Almeida, por exemplo, que apesar da ranzinzice era um notável gramático e não se furtava ao papel que lhe cabia, o de ensinar a língua vernácula. E com humor benevolamente ácido. Transcrevo aqui, a propósito, um trecho do seu engraçadíssimo Dicionário de Questões Vernáculas, no verbete "mesmo":


"Erro muito freqüente é o emprego do demonstrativo mesmo com função pronominal em construções como estas: 1- "...nova ortografia, visto que os trabalhos serão corrigidos pela mesma"; 2- devemos estudar português e as matérias que têm relação com o mesmo"; 3- A Sociedade Tal é constituída dos senhores F e F, e os mesmos dedicam à mesma todas as energias"

Desse erro têm grande culpa os "críticos de cacófatos". Sem conhecimento seguro da gramática, tão só cacófatos vêem num trabalho muitos de nossos homens de crítica literária cegos a erros graves de sintaxe, quando não de morfologia; surpreendem o leitor com tais descobertas, como se escrever em bom português consistisse em ter malícia, em ter espírito mesquinho. Preocupados com vocábulos de grande erudição pornográfica, sentem-se felizes esses críticos quando num trecho encontram desse teor palavras que possam mostrar ao leitor, maduro mas sem preocupações tolas, ou ao aluno, estudioso mas sem malícia.

(...) Passam a fugir do pronome ela, eliminando-o em toda a circunstância, para substituí-lo por a mesma. (...) o mesmo fizeram com o masculino ele, que para todos os efeitos se transformou em o mesmo, donde os três exemplos acima apresentados, aos quais somaremos mais estes: 4- "Vou à casa de minha mãe; falarei com a mesma sobre o assunto"; 5- Realizou-se ontem a esperada festa; à mesma compareceram....".

Em algum lugar que agora não encontro, referindo-se a esse verbete usa o zangado Napoleão a expressão "orgia mesmítica" para designar tal sestro.

Quem puder compre o livro Dicionário de Questões Vernáculas, instrutivo do papel que cabe ao verdadeiro gramático em qualquer país. Ainda que não concordemos com todas as suas posições.