sábado, 1 de novembro de 2008

Pecado mortal, desgraça para a alma (II)

Sidney Silveira
Acabáramos o
outro artigo desta série com a exposição dos critérios para conhecer a matéria grave, no pecado mortal — e, também, com a firme advertência para nos precavermos contra liberais que, aqui e ali, nos dizem que a teologia moral cai em exageros na tipificação dos pecados, pois não precisamos conhecer essas coisas todas; bastar-nos-iam os 10 mandamentos e algo do Magistério. Oh, infernal mentira!

O intuito de tal liberalíssimo “conselho” não pode ser outro senão fazer-nos baixar a guarda e não atentar para as conseqüências terríveis do pecado — a começar pela perda imediata da graça atual, com um só (vejam: um só!) pecado em matéria grave. A darmos crédito a esses pérfidos “conselheiros”, Santo Tomás teria escrito boa parte da IªIIª da Suma Teológica inutilmente, e Santo Afonso de Ligório teria perdido tempo em sua monumental Theologia Moralis, cujas proposições alguns teimam em circunscrever aos valores do tempo em que foi escrita, como se não valessem para os dias de hoje, mas, quando vamos ler... que intemporais tesouros de aconselhamento espiritual! Que prudência! Que visão dos meios conducentes ao fim último, que é a salvação! Mas essa gente de língua dupla e maliciosa chama o grande Afonso de rigorista (voltaremos a isto depois, contrapondo Santo Afonso aos laxistas, ou seja: àqueles que interpretam de forma demasiado frouxa a lei de Deus, o que foi condenado solenemente no Magistério de Inocêncio IX). E mostraremos que chamar a Santo Afonso de Ligório de rigorista é que é, sim, um conveniente "rigorismo"...

Portanto, após assinalar em detalhes a matéria grave, prossigamos nos demais pontos que especificam o pecado mortal e o diferenciam do venial, ainda seguindo o ótimo Tratado de Teología Moral para Seglares, de Antonio Royo Marín, O.P.

PLENA ADVERTÊNCIA
Por parte do entendimento, requer-se para o pecado moral a plena advertência e a grave malícia na ação pecaminosa. Comecemos as distinções:

a) Não se requer exclusivamente uma advertência atual para qualificá-la quanto a este tópico, pois basta a advertência virtual, posta no início da ação, e que a influenciará por inteiro;
b) Basta a advertência plena da causa que conduzirá a tal ato pecaminoso, embora no exato momento de produzir-se o ato já não haja advertência alguma, pois a razão foi obliterada pela força da paixão;
c) É preciso advertir a conexão da advertência perfeita com a moralidade (o que veremos noutra oportunidade);
d) Não se requer advertência clara e perfeita de toda a malícia objetiva da ação, pois basta que se advirta plenamente tratar-se de algo gravemente proibido pela lei de Deus (assim, não é necessário que o assassino tenha a plena advertência de tudo o que precisará fazer para levar o delito adiante; basta propor-se realizá-lo e a sua advertência em matéria grave já estará, devidamente, qualificada).

Há também os signos da advertência imperfeita (que alguns tratadistas de moral costumam assinalar), a qual diminui o dolo e, portanto, a culpa do ato — mas atentemos bem: sem desqualificá-lo, pois, analogamente, quem ingere um veneno letal sem o saber sofrerá, ainda assim, as conseqüências de tê-lo ingerido.

a) Se se tratou de um arroubo de todo imprevisível e impremeditado (como nos casos das ações movidas pela ira);
b) Se o pecador recorda o que fez, mas estima que agiria de outra forma se tivesse pensado seriamente antes de realizar tal ação;
c) Se se realizou a ação em estado de semiconsciência, como por exemplo alguém que age estando embriagado.

No próximo texto, falaremos do consentimento perfeito no pecado em matéria grave, antes de, ao final da série, enumerar os remédios que a Igreja sempre propôs para tais situações.
Em tempo: Aproveito para agradecer pelos emails que temos recebido (eu e o Nougué) de incentivo ao nosso trabalho em diferentes séries do blog, como por exemplo as sobre o pensamento mágico e quimérico do liberalismo, sobre Descartes, sobre René Girard, etc. E peço desculpas por não ter como responder amiúde a todas essas mensagens, algumas das quais são, verdadeiramente, tocantes e profundas. Muito obrigado. Apraza à Virgem podermos prosseguir.