terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Teologia Moral, ciência das ciências práticas

Santo Afonso de Ligório e a Theologia Moralis

Sidney Silveira
Santo Alberto Magno, em sua Suma Teológica, dizia com muito acerto que o nome não é outra coisa senão uma implícita definição; e a definição é, essencialmente, a explicação detalhada do nome. Nome e definição são, portanto, a matéria prima do filósofo, o insumo que lhe permite fazer as distinções necessárias por meio das quais entrará na posse imaterial da essência dos entes — posse esta a que, sem medo de errar, podemos chamar de verdade.

Ocorre que as pessoas não versadas em filosofia lidam com essa mesma matéria prima das palavras, pois também se vêem na contingência de dar mínimo sustentáculo racional às suas idéias, ou ao menos uma justificativa plausível, ainda que em aparência. Na prática, quanto mais precisas forem as definições que explicitam o sentido dos nomes (os quais — lembremos! — se referem direta ou indiretamente às coisas reais), maior será a clareza da inteligência para palmilhar os caminhos que levam às verdades fundamentais norteadoras da nossa vida prática.

A propósito, com relação à vida prática, a mais importante matéria a ser estudada é, sem dúvida, a Teologia Moral (por razões que veremos adiante). Trata-se da parte da Teologia que estuda os atos humanos em ordem ao fim sobrenatural de todas as criaturas: Deus. Em síntese, muito mais do que uma simples casuística dos pecados, como alguns liberais desencaminhadores de almas querem nos fazer crer, a Teologia Moral é o estudo dos modos pelos quais a criatura racional pode fazer o seu movimento ascensional a Deus. Sendo assim, a Teologia Moral é, antes de tudo, uma ciência das virtudes, um receituário dos costumes cristãos, com a indicação de remédios naturais e sobrenaturais para os desvios de curso que aviltam a inteligência e a vontade humanas.

Repito: não se trata de simples casuística, mas dos princípios universais balizadores da vida ética em seu sentido mais elevado, daí o fato de grandes Doutores da Igreja dizerem que o conhecimento desta matéria é absolutamente necessário para os sacerdotes, e utilíssimo para os fiéis. Portanto, quando ouço um liberalzão dizer que Santo Afonso de Ligório é rigorista, dando a entender que a Teologia Moral, em sentido lato, é uma desnecessidade (não sem antes, espertamente, tê-la reduzido a uma mera casuística), o sangue me queima nas veias, pois vejo o quanto um sujeito desses é capaz de afastar de Deus as pessoas que lhe dão trela. E afasta mesmo! Sobretudo aquelas almas que, de alguma forma, estão na Igreja ou aproximando-se dela, por um efeito narcótico que entorpece a inteligência e desvirtua os seus fins superiores — ao inocular nelas, por meio de ardis sofísticos, conceitos errôneos sobre temas de capital importância. Olha, pessoal, o que já li e ouvi desses liberais (alguns católicos, outros “evangélicos”) é de arrepiar. Por exemplo? Que castidade é apenas evitar o incesto. Que o ideal seria cada homem refazer, individualmente, por sua conta e risco, toda a moral. E por aí vamos, por Malebolge...

A importância extraordinária da Teologia Moral torna-se clara pela simples consideração do objeto desta ciência: os atos humanos em ordem ao fim último de todas as criaturas. E é neste sentido que acima se afirmou que ela é a mais importante matéria a ser estudada. Sim, pois se a verdadeira razão de ser de toda a nossa vida nesta Cidade dos Homens é nos encaminharmos à Cidade de Deus, à Pátria eterna, nenhuma ciência prática poderá ser mais importante do que a Teologia Moral.

Esta ciência tem como fontes principais a Sagrada Escritura, o Magistério da Igreja, a Tradição, os Santos Padres e o sensus fidei do povo cristão. E, de uma forma subsidiária, a segunda parte da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino — Doutor Universal da Igreja. Ali estão condensados todos os principais problemas de que trata a Teologia Moral. E, para termos idéia da importância do Aquinate, não custa remeter-nos ao que dizia Pio XI na Encíclica Studorum ducem, de 29 de junho de 1923: “E Nós, ao fazermos eco a este coro de elogios tributados àquele sublime gênio [de Santo Tomás], aprovamos não apenas que ele seja chamado de Angélico, mas também que se lhe dê o título de Doutor Universal, posto que a Igreja fez sua a doutrina dele (grifo nosso!), como se confirma por muitíssimos documentos”.

Os melhores tratados de Teologia Moral seguem, pois, aquela parte da Suma Teológica, abordando os temas na seguinte ordem:

O fim último do homem
Os atos humanos
A lei
A graça
As virtudes em geral
Os pecados em geral
Os deveres do homem para com Deus
(virtudes teologais infusas; religião; Decálogo; Mandamentos da Igreja)
Os deveres do homem consigo mesmo (virtudes cardeais)
Os deveres do homem para com o próximo (individuais, familiares e sociais)

A quem não tem acesso à maravilhosa Teologia Moral de Santo Afonso, indico a leitura da segunda parte da Suma Teológica, que está à mão de todos, em várias edições. Em certo sentido, essa parte é a mais importante da obra do Angélico, razão pela qual me entristece deveras ver tomistas que só se dedicam aos temas metafísicos desta grandiosa catedral da inteligência humana canonizada pela Igreja, que, como disse o mesmo Pio XI, em alocução ao Instituto Internacional Angelicum, em 1925, "é como o Céu visto da terra".