sexta-feira, 25 de julho de 2008

A estrutura da ação humana em sua completude (IV)

Sidney Silveira

(continuação de: 1- A psicologia da ação humana).

Após ter abordado a
estrutura dos sentidos externos, passamos agora para o que, na antropologia tomista, são os sentidos internos e a função específica de cada um deles. Este complexo aparato sensitivo — que inclui todas as potências até agora descritas, e as que ainda vamos descrever — tem um influxo importantíssimo sobre os chamados atos propriamente humanos: os da vontade e os da inteligência, sem os quais sequer poderíamos ser ditos livres, pois o ato da escolha, em sentido estrito, depende dessas apetências volitivo-intelectivas. Ora, tratar da ação humana sem sequer considerar as potências e atos que estudamos agora, como faz o liberal Ludwig von Mises em seu Human Action, conduz a reducionismos antropológicos de nefastas conseqüências, como veremos na conclusão dos textos desta série.

b) Os sentidos internos.

Martín Echavarría, no já mencionado La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de Aquino (cujas linhas-mestras estamos seguindo, nesta série), diz com muito acerto que a maior parte dos fenômenos de que trata a psicologia de hoje pertence a esta esfera — ou seja, a dos sentidos internos —, à qual chamam “psique”, enquanto Santo Tomás a chama “animal”, pelas razões mui ponderadas que observaremos. Echavarría — que além de filósofo tomista é decano da faculdade de psicologia da Universitat Abat Oliba CEU (de Barcelona) — diz outra coisa que convém destacar: para os expoentes de todas as principais correntes da psicologia contemporânea (veja-se bem, de todas!), há uma dificuldade insanável que os impede de alcançar as nossas potências espirituais, que esses autores confundem com a afetividade dos sentidos internos: são as premissas reducionistas — de concepções variadas — das quais todas eles partem.

Os sentidos internos se contam entre as potências ligadas a órgãos corporais, e tem por objeto determinações pariculares das coisas materiais, ou seja: sua ação ainda não alcança o conhecimento do universal. Esses sentidos, de acordo com Santo Tomás — que nisto, particularmente, segue de perto a Averróis — são quatro: o sentido comum (sensus communis), a imaginação ou via imaginativa, a memória e a cogitativa.

b.1) Sensus communis

O primeiro dos sentidos internos é o sensus communis, que é melhor traduzir por sentido comum e não por senso comum, para evitar confusões terminológicas. Este sentido se chama “comum” por ser a comum raiz dos sentidos externos (cf. Suma Teológica, I, q. 78, a.4, ad 1). Ou seja, os sentidos externos partem do sentido comum como de uma fonte, e os atos de todos aqueles sentidos como que terminam neste. Por isto, alguns escolásticos o chamaram de "consciência sensível", pois o sensus communis unifica os dados apreendidos pelos sentidos externos e lhes dá unidade, ou seja: é o sentido comum que permite ao homem ter um conhecimento unificado da realidade sensível. O olho vê, mas não vê que vê, e assim com todos os demais sentidos externos. Graças ao sentido comum podemos distinguir, por exemplo, não o branco do negro — que é o que faz a vista —, mas o branco do doce (cf. Suma Teológica, I, q. 78, a.4, ad 2).

Como não há disparidade em nossa percepção sensitiva, mas os dados exteriores são percebidos de forma unificada, negar a existência do sentido comum nos deixa numa encruzilhada: ou ficamos sem explicar essa percepção unificada (ao ver uma feijoada, por exemplo, percebo não apenas a sua forma, mas os cheiros, etc.) ou então teríamos de colocar a percepção sensitiva e a intelecção num mesmo plano, quer dizer: atualizando as suas potências específicas num só e mesmo ato — como faz Xavier Zubiri, com sua tese de que sentimos entendendo e entendemos sentindo. Mas deixemos Zubiri para outra ocasião.