segunda-feira, 7 de junho de 2010

Homem: animal de verdades — assim na terra como no céu

A escada de Jacó - Gustave Doré


Sidney Silveira
Diz o Padre Garrigou-Lagrange, no hoje clássico Le réalisme du principe de finalité, que a inteligência ordena-se por natureza ao conhecimento do real. Quer com isto dizer o grande teólogo que a inteligência humana possui um telos, ou seja, uma finalidade na qual repousa em todos os seus raciocínios: a posse formal da verdade. Por esta razão alguém já disse que o homem é um animal de verdades, pois toda a sua atividade cognoscitiva parte da adequação, em algum grau, entre a inteligência e as coisas (dessa apreensão imaterial da forma dos entes a que chamamos “verdade”) e encontra o seu fim, também, em verdades a partir das quais se descortina um novo horizonte de conteúdos inteligíveis; este, por sua vez, servirá de insumo para novas conclusões e evidências — infindamente.

Toda verdade parte do ser (ou mais propriamente do ente, que é o que “tem ser”) e se ordena ao ser. Noutra formulação, pode-se dizer que sem o ser, não haveria verdades, pois estas serão sempre a apreensão de um aspecto do ser pela inteligência. Ora, sendo o próprio ser (ipsum esse) ato puro infinito, isto quer dizer que a verdade é inesgotável para toda e qualquer inteligência finita, como, a propósito, é a do homem. Assim, por mais que materialmente avance a ciência, ela sempre apresentará um déficit abismal em relação ao mistério do ser que é, por assim dizer, o invólucro das verdades a que o homem pode chegar.

Tal mistério do ser não se esclarecerá totalmente, de acordo com Santo Tomás, nem mesmo na visão beatífica da essência divina, pois ainda que compreendamos todas as coisas em Deus, jamais O poderemos compreender em si mesmo. A ciência dos bem-aventurados — a mais elevada de todas — é decerto alumbramento, êxtase puro, em virtude das incontáveis verdades de que a inteligência formalmente tomará posse nesse estado, mas ainda aí haverá uma região de sombra e de ininteligibilidade.

Numa situação dessas, em que teremos a ciência perfeita de todas as coisas, dado as contemplarmos em Deus, causa causarum, só haverá margem para especulações teológicas, pois nada mais ficará por saber senão relativamente a algum aspecto do Ser de Deus. Portanto, se a ciência teológica já é, em nosso atual estado de homo viator, a ciência por excelência (tanto especulativa como prática, conforme Suma Teológica, I, q1., art.5), ela o será ainda mais no céu, onde todas as demais ciências estarão resolvidas em seus princípios e fins.

Por aí se vê o seguinte: seja agora, seja na eternidade, em seu labor a inteligência do homem tem e terá sempre a verdade como ponto de partida e de chegada. Podemos representar este caminho pela escada de Jacó, tendo em vista que cada degrau nela pode ser a imagem de um dos infinitos aspectos do ser palmilhados pela inteligência.

Com a graça de Deus.