terça-feira, 14 de junho de 2016

Pai


Sidney Silveira

Pai,

Só sabe que a inocência existe quem a perdeu de olhos abertos.

A minha época de verdadeiro idílio foi quando — menininho ainda — eu não via nada à frente além de você, pai. Quando nada mais me importava além da sua anuência às minhas incontáveis travessuras.

O tempo passou e os nossos caminhos se foram afastando aos poucos, mas tenho confiança em Deus que eles voltarão a se cruzar. Sim, numa realidade em que perdão e amor serão apenas dois nomes a designar um só movimento d'alma.

Quem sabe lá conseguirei ser um filho melhor?

Esta foto, relativamente recente, foi-me enviada por minha irmãzinha a seu pedido, pai, para que eu o visse sem barbas após longo tempo em que você as manteve longas.

Descanse em paz, meu velho.

Se algum dia tive pureza de espírito, foi na época em que dormia somente depois de ouvi-lo entrar em casa, às vezes tarde da noite. Era a senha para o sono vir.

Já vai muito longe o tempo em que o meu coração foi bom. E só o foi por causa do amor incondicional que você me fez sentir, naqueles anos. Um amor cheio de momentos inesquecíveis, como quando, orgulhoso, eu saía do Maracanã nos seus ombros após uma vitória do nosso tricolor.

Se algo de bom em mim ainda vive, é essa infância que não morreu.

Nela, você foi o rei.