terça-feira, 8 de junho de 2010

São Bernardo: carta 190 ao Papa Inocêncio II


Sidney Silveira
Como tira-gosto do próximo livro da Sétimo Selo (“As Heresias de Pedro Abelardo”), do grande Bernardo de Claraval, que será apresentado na segunda semana de setembro de 2010 em uma faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro*, transcrevo a seguir um trecho do apêndice que acompanhará a referida edição: uma carta de São Bernardo ao Papa Inocêncio II, na qual o grande abade cisterciense faz algo que hoje deploram os modernistas — a defesa da fé.

Dadas as circunstâncias do momento presente da História da Igreja, trata-se de uma obra exemplar, um modelo de ação para todos os católicos que estão em condições de defender, com amor e coragem, a doutrina de sempre, refutando os erros perniciosos que acarretam grande perigo de perda das almas.

Ler São Bernardo, ademais, é um grande deleite. Que estilo! Que oratória bem composta, com tudo no lugar: exórdio, narração, argumentação, peroração, invocação, confirmação e conclusão! Leiam e concluam por si mesmos:

Carta 190 ao Papa Inocêncio II

“ (...) Desde as primeiras linhas de sua teologia, ou antes, de sua estultologia, Abelardo define a fé como uma opinião, como se fosse lícito a cada um pensar e dizer o que bem entender, como se os mistérios da nossa fé dependessem do capricho do espírito humano, quando, ao contrário, se apóiam nos sólidos e inquebrantáveis fundamentos da verdade. Mas, se a nossa fé é duvidosa, nossa esperança é vã, e nossos mártires são insensatos por ter sofrido milhares de tormentos por uma recompensa incerta e ter começado um exílio eterno por uma morte dolorosa, em vista de uma felicidade que não lhes estava assegurada. A Deus não agrada que tenhamos tais idéias de fé e de esperança. O que a fé nos propõe para crer funda-se na verdade mesma, demonstrada pela Revelação, assegurada pelos milagres, consagrada pela conceição da Virgem, selada pelo sangue do Salvador e confirmada por sua gloriosa ressurreição. Ora, tantos testemunhos são invencíveis; enfim, para um acréscimo de certeza, o Espírito Santo testemunha a nosso espírito que somos filhos de Deus. (...)

“Mas eu vos rogo que considere o restante. Não trato aquelas proposições segundo as quais Nosso Senhor não teve o espírito de temor; que o temor puro e casto não subsistirá no outro mundo; que após a consagração do pão e do vinho as espécies que restam ainda subsistem no ar; que os demônios se servem das pedras e das ervas para produzir certas impressões em nossos sentidos e para despertar nossas paixões, graças ao fato de sua sutil malignidade ensiná-los a discernir nas coisas naturais uma virtude própria para excitá-las; que o Espírito Santo é a alma do mundo, e por conseguinte o mundo, que é um animal segundo Platão, é um animal mais excelente porque tem por alma o próprio Espírito Santo. E a esse respeito, querendo fazer de Platão um cristão, ele próprio se mostra pagão. Não trato todos esses pontos, bem como muitos outros devaneios, para me voltar para coisas muito mais importantes, conquanto não tenha intenção de responder a elas plenamente, porque isso exigiria grossos volumes; não falo senão do que não posso calar.

“Esse temerário doutor vai até perscrutar os segredos de Deus mesmo, e ousa atacar o mistério de nossa redenção, em seu Livro das Sentenças e em sua Explicação da Epístola aos Romanos; li esses dois tratados, onde ele não começa por expor, a respeito deste ponto, o sentir unânime dos Padres senão para rejeitá-lo em seguida, gabando-se de ter um melhor (...).

* Darei as informações detalhadas sobre este lançamento noutro “post”.
Em tempo: A quem quiser fazer desde agora a reserva do livro de São Bernardo, peço que envie um email para sidney@edsetimoselo.com.br, com os seguintes dizeres no "assunto": Livro de São Bernardo. Assim que chegar o momento, enviarei as informações para os que, desde já, mostraram interesse em adquirir o livro. Digo isto porque temo que ocorra o mesmo que sucedeu à primeira edição do livro do Padre Calderón (“A Candeia Debaixo do Alqueire”): esgotou-se rapidamente e ainda não o reimprimimos — fato que faremos assim que pudermos.