Sidney
Silveira
Nada
mais distante da virtude da fortaleza que a valentia, entendida como mescla de
jactância, audácia imprudente, falta de temor, presunção, ambição desmedida e
vanglória. Em breves palavras, a valentia é uma espécie de sucumbência a pavorosos
estados psíquicos, dos quais é quase impossível a pessoa sair depois de enredar-se
neles. Como conformador da alma de todo ferrabrás, de todo bravateador, de todo
rufião está o que alguns escolásticos chamavam de pusillo animo, ou seja, o espírito pusilânime. Trata-se, pois, de
criaturazinhas de ânimo apoucado que se imaginam super-heróis a defenderem o
bem, a verdade, a justiça e – valha-nos Deus! – até a religião.
Com
grande acuidade, Santo Tomás de Aquino afirmava que a virtude da fortaleza tem
dois movimentos principais: atacar moderadamente (moderate aggredi) e resistir (sustinere).[1] Ao contrário
do valentão que tem por hábito perder-se numa barafunda de contendas, de rixas,
de debates infrutíferos levados a cabo de maneira insultuosa e maledicente, o sujeito
forte não gasta as suas energias com altercações a respeito de se chove ou se
faz sol, nem tenta paranoicamente adivinhar as intenções alheias, quando tem
dúvidas. Ele vislumbra com clareza as circunstâncias em que é preciso agir – atacando
com moderação os obstáculos ao bem visado em sua ação e resistindo aos males
com os quais depara. Ao proceder assim, o forte reprime o temor e modera a
audácia, dando-lhes a inteligibilidade sem a qual os atos humanos acabam regidos
por perigosas paixões.
A
genuína coragem é prudente; a falsa, imprudente. Eis aqui o critério seguro
para quem queira aquilatar a real diferença entre o corajoso e o fanfarrão,
entre o forte e fraco. Em síntese, os fortes são intrépidos na defesa de bens
inegociáveis, mas sempre com prudência; os fracos são intrépidos na defesa dos
seus egos cada vez mais hipertrofiados, por ocasião dos debates ilusórios que
presumem vencer. Pensam discutir perante sábios na Ágora ateninense, mas estão
sozinhos, aprisionados no cenáculo das suas consciências cauterizadas. A
precipitação, vício decorrente da imprudência, é a propósito o labirinto do
qual esses pobres-diabos não conseguem sair, o que faz deles verdadeiros profissionais
da murmuração, da calúnia, do embuste travestido de boas intenções. Neste
contexto, mencionemos o que diz Josef Pieper num dos seus escritos sobre as
virtudes cardeais: Se o amor é perverso,
o temor também o será. Ora, não há amor mais perverso que o da
vanglória, filha da soberba; não há medo mais medíocre que o de não receber os aplausos do mundo.
Observe-se
aonde leva a falta da virtude da fortaleza: à degradação do caráter.
Vale
ainda dizer que a ambição, vício oposto à fortaleza por excesso, é um tipo de avareza
espiritual, nas palavras do Dr. Martín Echavarría,[2] porque
as honrarias não devem buscar-se por si mesmas; mas para desgraça do fraco é justamente neste terreno pantanoso que ele se afoga. Em brigas nas quais se
mete, este frenético ser ambiciona sempre o reconhecimento de alguma platéia. Pois
muito bem, a ambição é diametralmente oposta à magnanimidade, virtude
considerada por Tomás de Aquino como uma das partes potenciais da fortaleza.[3] Esquadrinhemos,
então: a pessoa forte tem o ânimo magno, ou seja, volta-se às coisas grandiosas
de maneira ordenada; a pessoa fraca padece de pequenez de ânimo, ainda quando esta sua pusilanimidade se manifesta sob a capa cínica da impertinência.
A
valentia neurótica é o retrato fidedigno do mentiroso in
actu excercito de enganar-se a si mesmo.
Palmas
para ele!
1- Santo
Tomás de Aquino, Suma
Teológica, II-II, q. 123.
2- Martín
Echavarría, Los vicios opuestos
a la fortaleza según Tomás de Aquino.
3- Santo
Tomás de Aquino, Suma
Teológica, II-II, q. 129.